Experiências passadas expõem os desafios do Novo PAC

Valor Econômico – Passada a euforia com o lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento, o Novo PAC, há um mês, surgem as dúvidas se o plano de investimento de R$ 1,7 trilhão vai decolar. Apesar de prever maior participação do setor privado do que seus dois antecessores, há o receio de que as metas fiscais imponham limites aos investimentos públicos, que incluem recursos orçamentários e de estatais, além dos financiamentos de instituições financeiras públicas. Há também dúvidas sobre a viabilidade da intenção do presidente Lula de terminar as obras paradas, e se as lições do passado foram aprendidas, principalmente sobre a importância de se evitarem desmandos e corrupção.

O Novo PAC prevê a participação de 36% para o setor privado, que entraria com R$ 612 bilhões. Ainda assim, o setor público ficará com a maior parte, os dois terços restantes, divididos em partes quase iguais de recursos orçamentários, investimentos de estatais e financiamentos de bancos públicos. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024 traz a previsão de quanto será gasto no próximo ano e nos três seguintes. No caso do PAC, serão R$ 61,7 bilhões, R$ 58,7 bilhões, R$ 62,2 bilhões e R$ 63,9 bilhões, respectivamente. Mas as dúvidas crescentes sobre o cumprimento da meta de zerar o déficit primário em 2024 criaram o receio de que os recursos para o PAC podem ser comprometidos.

Membros do governo garantem, porém, que os projetos serão executados respeitando o arcabouço fiscal e o controle da inflação. Os objetivos são aumentar os investimentos e estimular o crescimento da economia. A experiência passada não é favorável, porém. O primeiro programa foi lançado em 2007, no segundo mandato de Lula, e teve a segunda etapa em 2011 já na Presidência de Dilma Rousseff. Essa segunda fase foi caracterizada pelo aumento dos aportes do Tesouro, em um modelo de crescimento baseado no gasto público, segundo avaliação de Paulo Lins, colaborador do blog do Ibre FGV (2017). O caso emblemático é o da Refinaria Abreu e Lima (PE). Muitas obras anunciadas nessa segunda fase já haviam feito parte da primeira e simplesmente não foram concluídas.

Por orientação do presidente Lula, o Novo PAC enfatiza a conclusão de obras paradas, apostando que essa estratégia deve marcar a boa gestão dos investimentos. O Tribunal de Contas da União (TCU) informa que existem no país pouco mais de 8,6 mil obras paradas, 41% do total da carteira de obras iniciadas, percentual superior aos 38% de 2022 e aos 29% de 2020. A maior parte delas é na área da educação, como creches e escolas, seguidas por infraestrutura e mobilidade urbana.

Mas o próprio governo avalia que cerca de metade das milhares de obras paradas terá dificuldade para ser retomada. As que foram totalmente abandonadas teriam que praticamente recomeçar do zero e passar por nova licitação. Dados de abril do TCU evidenciam que as obras paradas consumiram quase R$ 8,3 bilhões em recursos federais, e demandariam mais R$ 24 bilhões para serem concluídas.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, lembrou das obras paralisadas das outras versões e disse que o PAC 3 as retomará para não criar “cemitérios de obras públicas”. Resta saber se valem a pena. Sabe-se que muitos projetos são de má qualidade, além dos nascidos de mera motivação política, sem viabilidade técnica. O quadro lamentável e a exiguidade de recursos disponíveis justificam a preocupação dos especialistas com a governança do Novo PAC e a sugestão de avaliar em profundidade os projetos que serão retomados.

Um capítulo à parte é a relação nem sempre amistosa dos gestores do PAC com o ambiente. Há vários exemplos negativos no passado, como o da hidrelétrica de Jirau, que está completando dez anos e é responsável por 2,6% do consumo de eletricidade do país com energia renovável. Ela faz parte do complexo do rio Madeira e foi construída com a tecnologia fio d’água, com turbinas do tipo bulbo, que dispensa a formação de extensos reservatórios. Ainda assim ambientalistas afirmam que a área alagada é superior à estimada inicialmente.

Apesar de o governo ter declarado que esse é um PAC verde, incluiu na sua lista a conclusão das obras da Ferrogrão, criticada por atravessar trechos da floresta amazônica e área ocupada por indígenas. Também incluiu a perfuração de poços exploratórios da Petrobras na Margem Equatorial, situados na Bacia Potiguar, questionada pelo Ibama e ainda objeto de debate entre especialistas.

Também há no Novo PAC, entre as medidas positivas, o incentivo às concessões e às Parcerias Público-Privadas. Foi Lula que sancionou a Lei das PPPs em 2004, no seu primeiro mandato. A aposta é que o setor privado é mais rápido nas decisões e eficiente na execução, desde que avaliado e fiscalizado. A adesão do setor privado, porém, depende de que outros fatores estejam caminhando, como o arcabouço fiscal, juros em queda e a estabilidade de regras.

Dada a importância do tema, o Valor está publicando uma série de reportagens sobre o PAC. A primeira, com aspectos macroeconômicos, saiu na semana passada. A segunda foi publicada ontem e aborda os gargalos para os investimentos. A terceira tratará da participação privada e de alguns dos eixos setoriais.

Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/noticia/2023/09/13/experiencias-passadas-expoem-os-desafios-do-novo-pac.ghtml

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