Valor Econômico – Quatro meses após lançado, o Novo PAC enfrentou os primeiros testes de implementação contando com avanços e sobressaltos no ano de chegada do governo Lula 3. A versão repaginada do Programa de Aceleração do Crescimento, que marcou as gestões anteriores do PT, foi apresentada em 11 de agosto, com atraso em relação ao calendário original do Palácio do Planalto. E desde então teve leilão “vazio” (sem investidor interessado) e embates entre ministros sobre a liberação de empreendimentos que envolvem risco ambiental. Para 2024, a despeito de críticas de especialistas à governança do programa, a expectativa é que ele ganhe maior tração com a chegada de investidores para disputar os próximos leilões de concessão e um impulso nas parcerias público-privadas (PPPs), algo que não teve grande avanço durante 2023.
A recomposição do orçamento federal em 2023, aliás, permitiu a retomada de obras e projetos estratégicos paralisados por efeito das restrições do antigo arcabouço fiscal, além de um conjunto de licitações bem-sucedidas. O programa foi um dos alvos do Centrão durante a tramitação da proposta de lei orçamentária de 2024, exigindo rápida reação do governo para evitar grande redução de verbas.
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Foram oito meses de espera até o lançamento, devido ao tempo de articulação com governadores. Um dos desafios foi estreitar laços e definir projetos de interesse comum com Estados comandados por partidos de oposição a Lula.
O governo também gastou tempo discutindo se alterava o nome do programa. Sem consenso, optou-se por manter a marca já conhecida.
O relançamento do PAC gerou expectativas diante de suas edições anteriores, quando obras bilionárias sofreram atrasos, padeceram com baixa execução ou nem saíram do papel. O grande peso do investimento público no passado já foi alvo de críticas, assim como a associação de obras a esquemas de corrupção. Em entrevista ao Valor em setembro, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho, disse que as empresas que participarem de projetos do Novo PAC terão que assinar um “pacto pela integridade”, comprometendo-se com práticas corretas de conformidade e combate à corrupção.
Apesar de atrasar o lançamento, a aproximação com governadores ajudou a reforçar a carteira de investimentos do programa, que totalizou R$ 1,7 trilhão em nove eixos. Logo nos primeiros dias do novo governo foi pedida aos Estados e ao Distrito Federal a relação de projetos prioritários, conta o secretário adjunto da Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Roberto Garibe Filho.
O novo PAC pelo país
“Logo depois do 8 de Janeiro [invasão das sedes dos Poderes], o presidente Lula acenou que toda nossa política de investimento do PAC levaria em consideração as demandas dos governadores. A partir dessa reunião, continuamos com grupos de discussão com os governos e passamos a fazer reuniões técnicas durante quase todo o primeiro semestre”, diz. “A discussão foi longa, mas acho que foi um case de sucesso.”
Garibe disse que foi absorvida quase a totalidade dos projetos propostos pelos governadores. A estratégia de valorizar projetos e obras de interesse em comum dos governos federal e estaduais mostrou resultado com alguns governadores que se mantinham distantes da candidatura de Lula.
O governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), não se conteve em celebrar, ao lado do governo federal, o resultado do leilão de concessão de mais de mil quilômetros de rodovias no Estado, com R$ 18,7 bilhões em obras e R$ 11,7 bilhões em manutenção e operação por 30 anos.
No fechamento do ano, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi ao Palácio do Planalto agradecer por ter recebido “o maior cheque” em linha de crédito ofertado pelos bancos públicos federais (Caixa, Banco do Brasil e BNDES), em 2023. Na solenidade, com a presença de outros governadores, Tarcísio, ministro da Infraestrutura do governo anterior, confirmou a contratação de empréstimos de R$ 10 bilhões para o trem São Paulo-Campinas e a extensão da Linha 2 do Metrô, na ligação São Paulo-Guarulhos, dois projetos do Novo PAC.
“O governo federal está apoiando a extensão da Linha 2 porque sabe da importância de levar o metrô pela primeira vez para fora da cidade de São Paulo, uma reivindicação forte da região”, disse Garibe. O Novo PAC prevê investimentos de R$ 179,6 bilhões em São Paulo, com R$ 81,4 bilhões em transportes.
Com Santa Catarina a relação não foi tão amistosa. O governador bolsonarista Jorginho Mello (PL) não compareceu ao lançamento do PAC e chegou a cobrar em vídeo a devolução de mais de R$ 400 milhões do orçamento estadual aplicados em rodovias. O ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), gravou vídeo para rebater as declarações. “Este ano [2023], a gente multiplicou o orçamento de Santa Catarina por cinco. Ou seja, Bolsonaro investiu só 200 e poucos milhões no ano passado [2022], enquanto a gente R$ 1,3 bilhão. Só em emergência, por causa das fortes chuvas, colocamos R$ 100 milhões”, afirmou.
Para 2024, a expectativa é que o programa ganhe maior tração com a chegada de investidores para disputar os próximos leilões e haja melhora do ambiente de negócios com aprovação de medidas institucionais pelo Congresso (ver reportagem abaixo). Se mantido o cenário de controle da inflação, os ministros devem reforçar os apelos para o Banco Central acelerar o ritmo de redução dos juros.
“É importante ter projetos e pipeline de investimento, mas o financiamento, com a taxa de juros que aí está, é o grande desafio para a implantação de infraestrutura”, disse Natália Marcassa, CEO do MoveInfra, que reúne os seis maiores grupos de infraestrutura logística do país.
Mesmo com a avaliação positiva sobre o ano de estreia, o programa não esteve imune a críticas de especialistas. A principal preocupação é que a iniciativa volte a enfrentar problemas das versões anteriores (PAC 1 e 2), especialmente relacionados ao desperdício de recursos com obras inacabadas.
Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, insiste na necessidade de aprimorar o modelo de governança. Para ele, o programa conta com um “desenho de enorme complexidade”, com grande possibilidade de comprometer o “sistema de priorização” e a “capacidade de execução” de sua carteira de projetos.
Frischtak avalia que faria mais sentido “decompor” o Novo PAC em duas frentes, com coordenações diferentes, agrupando políticas públicas relacionadas. Na sua visão, uma parte dos projetos poderia fazer parte do “PAC Inclusão Social”, voltado para políticas públicas no campo social. Outro seria o “PAC Infraestrutura Produtiva”, que reuniria grandes obras que sairia da coordenação da Casa Civil e passaria para o Ministério do Planejamento e Orçamento.
“Achamos que hoje é uma coisa hiper centralizada, que já foi experimentada no passado e não deu muito certo. Propomos, então, reduzir essa carga de atribuições da Casa Civil”, afirmou o consultor.
Ele considera que outro aspecto que demanda atenção é a verba de emendas parlamentares. Frischtak recomenda que o governo estabeleça uma “hierarquia de emendas” de acordo com a taxa social de retorno, premiando as que estiverem mais alinhadas com a política pública.
Para o diretor do centro de estudos FGV Transportes, Marcus Quintella, ainda é muito difícil fazer uma avaliação do programa. Ele chama a atenção para o fato de boa parte dos projetos de transportes, por exemplo, estar apoiada em investimento privado, que em parte já estavam dados (concessões contratadas) e outra que depende de estudos aprofundados para serem viabilizados (novas concessões e PPPs).
“O PAC ainda é uma ideia, um plano. Precisamos ver como serão os próximos passos. É muito pouco tempo para ter um resultado”, afirmou Quintella. “Se pegar os dois PACs anteriores, o primeiro não chegou nem a 9% de execução e o segundo foi de 26%. Isso é segundo o TCU, não sou eu que estou dizendo. Então, precisamos olhar com muita cautela tudo isso.”
Já houve pelo menos um sinal de alerta recente. Se por um lado o sucesso dos dois leilões de rodovias do Paraná, entre agosto e setembro, encheu de ânimo as autoridades federais em Brasília, a disputa sem interessados nos 304 quilômetros da BR-381, entre Belo Horizonte e Governador Valadares, caiu como balde de água fria, em novembro. A rodovia mineira, que reúne trechos de serra que geram incerteza para os investidores, terá os estudos remodelados e submetidos novamente ao TCU para voltar a ser oferecida ao mercado.
O governo tem minimizado o resultado negativo do leilão da rodovia mineira cuja concessão já havia sido rejeitada pelo mercado outras vezes. Ao Valor, o ministro dos Transportes disse que a estratégia para obter sucesso em nova licitação passa por convencer os ministros do TCU a admitirem que, neste caso, o risco geológico deve ser compartilhado entre o poder público e o empreendedor. Ele ressalta que a proposta constava dos estudos apresentados ao tribunal, mas foi rejeitada.
“Eu percebi antes [o risco de dar ‘vazio’], tanto que você viu lá que o TCU cortou algumas coisas que nós propusemos. A minha conversa com os ministros será de reiterar nossa posição. O mercado vinha sinalizando: se levar a leilão mitigando o risco, a gente entra; sem mitigar é muito arriscado”, disse Renan Filho.
Garibe também reconhece que o desinteresse esteve relacionado ao risco geológico de ter que atravessar “uma serra bastante complexa”.
Para 2023, o Ministério dos Transportes programou realizar quatro leilões de concessões de rodovias, mas só saíram os dois lotes das rodovias do Paraná. Além da frustração com a BR-381, a oferta da BR-040, entre Belo Horizonte e Juiz de Fora, escorregou para o início de 2024. “A pedido do mercado, nós adiamos para o começo do ano que vem”, justificou Renan Filho, em entrevista ao Valor nas últimas semanas de 2023.
Até o final do governo Lula 3, o Novo PAC deve leiloar 35 concessões de rodovias, 12 delas no próximo ano. Outra frente de investimentos é a “otimização” de 15 contratos de concessão de rodovias herdados de governos anteriores que estão com problemas e devem ser repactuados.
Cotado como uma das apostas mais seguras de investimento no Brasil, o setor de transmissão de energia também tem respondido às expectativas com resultado de leilões bem-sucedidos. Antes mesmo do lançamento oficial do Novo PAC, o governo contratou, em junho,
R$ 15,7 bilhões para construção de novas linhas. No dia 15 de dezembro, mais R$ 21,7 bilhões em projetos foram arrematados. Em março de 2024, mais R$ 18,2 bilhões em projetos de rede básica de transmissão devem ser levados a leilão.
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