O Globo – A escolha de Gustavo Pimenta como novo CEO da Vale aponta para o fim da novela que se tornou a sucessão do comando da mineradora. O processo foi marcado pela tentativa de interferência do governo federal, mas apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter voltado a reclamar ontem da falta de influência da União na empresa, o Palácio do Planalto não deverá investir novamente contra a decisão.
O anúncio do nome de Pimenta, atual vice-presidente executivo de Finanças e Relações com Investidores, para o cargo, feito na noite de segunda-feira, tirou um “peso” de cima da mineradora, segundo analistas. A definição do futuro comando foi bem-recebida pelo mercado, com alta de 3,01% nas ações da empresa, que fecharam cotadas a R$ 59,80. Em valor de mercado, a mineradora ganhou R$ 7,94 bilhões em um dia.
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Se a escolha do sucessor de Eduardo Bartolomeo retira boa parte da incerteza, analistas ponderam que a segunda maior produtora de minério de ferro do mundo ainda tem dois obstáculos no curto prazo, que terão que ser logo enfrentados por Pimenta: encerrar uma renegociação sobre concessões de ferrovias e fechar um acordo para a reparação pelos danos causados pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), em 2015.
Trânsito político
Os dois imbróglios envolvem cifras bilionárias e exigirão bom trânsito político. Assim como as turbulências em torno do processo de sucessão do comando, são consideradas por analistas de mercado como overhangs — jargão para designar problemas enfrentados por uma companhia aberta que afetam negativamente as cotações de suas ações e títulos de dívida. Apesar da alta de ontem, as ações da Vale ainda acumulam queda de 16,6% este ano.
Analistas e pessoas próximas tanto ao comando da Vale quanto ao Palácio do Planalto avaliaram ontem que Pimenta teria condições de atuar politicamente para resolver os dois obstáculos, especialmente o acordo sobre a tragédia de Mariana, no qual o executivo já trabalha e que poderá ficar em R$ 140 bilhões — divididos com a BHP Billiton, sócia da Vale na Samarco, dona da barragem que se rompeu em 2015, e subtraídos do que já foi investido pelas companhias.
A falta de jogo de cintura político era crítica frequente na avaliação sobre a gestão de Bartolomeo, CEO da mineradora desde 2019. Para Igor Guedes, analista da corretora Genial Investimentos, Pimenta tem condições de se sair melhor do que o antecessor nas relações políticas.
O executivo é economista, graduado na UFMG, e trilhou carreira como CFO, o segundo cargo mais importante das companhias abertas. Por mais de dez anos trabalhou na AES, gigante americana do setor elétrico, que atua sob regulação governamental em vários países.
— O currículo fala por si, por onde ele passou, o dialogo foi positivo — afirmou Guedes.
Em relatório, analistas do banco Itaú BBA destacaram ainda que a indicação de Pimenta permitirá uma continuidade, evitando atrasos inerentes a transições mais bruscas. Outro relatório, do banco BTG Pactual, considerou positivo o fato de que o anúncio veio antes do esperado. O cronograma anteriormente informado pela mineradora previa a confirmação do nome do substituto de Bartolomeo até o início de dezembro.
A sucessão do comando inflamou disputas entre acionistas da Vale, que já vinham desde que, em novembro de 2020, a mineradora se tornou uma corporation, ou seja, uma companhia sem controle definido, com o capital pulverizado, a maior nesse modelo no Brasil. Esse jogo de poder foi marcado, ano passado, pela volta do PT ao Planalto e pela participação acionária do Grupo Cosan na companhia.
“Uma tal de ‘corporation’ que não tem dono, monte de gente com 2%, monte de gente com 3%. É que nem cachorro de muito dono, morre de fome, morre de sede porque todo pensa que colocou água, todo mundo pensa que deu comida e ninguém colocou”, disse Lula
Desde o início do atual mandato, circula nos bastidores que Lula gostaria de ver o ex-ministro Guido Mantega no comando da mineradora, mas, com a pulverização do capital e a saída do BNDES como acionista, a influência direta do Planalto sobre a mineradora diminuiu.
A Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (BB), sobre a qual o governo exerce influência, segue com 8,8% do capital da Vale, é a principal acionista individual, mas isso é pouco para definir o comando da empresa.
‘Cachorro de muito dono’
Em evento da estatal Telebras, Lula reclamou ontem dessa falta de influência, disse que a Vale não tem um “dono” com quem negociar “um acordo para receber dinheiro de Mariana”:
— Uma tal de corporation que não tem dono, monte de gente com 2%, monte de gente com 3%. É que nem cachorro de muito dono, morre de fome, morre de sede porque todo pensa que colocou água, todo mundo pensa que deu comida e ninguém colocou.
A reunião do Conselho que aprovou o nome de Pimenta foi presencial, na sede da mineradora, no Rio. Os conselheiros analisaram os currículos de Ruben Fernandes, executivo da mineradora Anglo American, e Marcelo Bastos, que trabalhou na Vale e, depois, na BHP.
Os dois estavam na lista de 15 nomes selecionados pela Russell Reynolds, consultoria de recrutamento contratada pela Vale, como relevou o colunista do GLOBO, Lauro Jardim, em julho.
Pimenta, Fernandes e Bastos foram sabatinados pelos conselheiros, segundo uma fonte que pediu o anonimato. Cada um fez uma apresentação de cerca de uma hora. Ao fim das apresentações, houve votação e os conselheiros escolheram unanimemente o nome de Pimenta.
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