Projetos de mobilidade voltam ao cenário em plena restrição fiscal

Valor Econômico – Em meio a restrições fiscais e alertas de que a ausência de planos municipais pode inviabilizar o envio de recursos para diversas prefeituras país afora, empreendimentos de mobilidade urbana voltaram a fazer parte do orçamento federal.

Isso ocorre depois de uma década da grande promessa de expandir o serviço público de transportes nas grandes e médias cidades até a realização da Copa do Mundo sediada no Brasil, em 2014. Mas parte dos projetos que seriam o legado da realização do evento internacional sequer saiu do papel. Um levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) indicou que apenas 14,1% dos R$ 151,7 bilhões prometidos para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 efetivamente foram implementados.

Agora, além do esforço adicional para tornar o transporte urbano mais sustentável do ponto de vista ambiental, existem também os desafios da falta de planejamento de alguns municípios e do governo federal em manter as contas públicas em equilíbrio: dos R$ 4,5 bilhões congelados do Novo PAC na recente contenção de despesas do Orçamento de 2024, R$ 2,5 bilhões são verbas dos ministérios das Cidades e dos Transportes. O programa prevê R$ 35,3 bilhões para mobilidade urbana até 2026.

Principais desafios

Parte desses recursos é para a renovação da frota, voltada para baixa emissão. Neste caso, a ação envolve a aquisição de ônibus elétricos, ônibus com motores a diesel mais eficientes – na padronização europeia Euro 6 – e novos veículos sobre trilhos.

“Uma política pública voltada para a mobilidade urbana sustentável requer não só um entendimento claro dos impactos econômicos, ambientais e sociais dos sistemas de transporte, mas também o entendimento de que o desempenho sustentável do transporte envolve o ciclo de vida do veículo, do combustível e de toda uma infraestrutura a ser construída e mantida”, diz a especialista em mobilidade sustentável Ana Carolina Maia Angelo, que é professora da Universidade Federal Fluminense. Ela afirma que o governo precisa ir além de iniciativas de redução de emissões nos novos projetos.

Do ponto de vista financeiro, por outro lado, o desafio também é grande. Segundo estudo recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil precisaria dobrar o investimento no segmento em relação ao Produto Interno Bruto, saindo de 0,06% para 0,12% do PIB, ao longo de duas décadas. Isso significaria R$ 295 bilhões.

Já a diretora de infraestrutura, transição energética e mudança climática do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciana Costa, informa que a instituição de fomento tem como “alvo” fazer o país chegar a 0,25% do Produto Interno Bruto em investimento em mobilidade urbana, especialmente em projetos de média e alta capacidade. Os números são considerados nos estudos sobre o setor, desenvolvidos em parceria com o Ministério das Cidades, para apontar potencial de investimento em 21 regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes.

Isso porque, na visão dos técnicos do BNDES, a demanda por investimento em infraestrutura supera o valor estimado pela CNI. “O déficit de infra no setor relacionada a projetos de média e alta capacidade atinge os R$ 360 bilhões. E o histórico de investimento é de instabilidade, imprevisibilidade e insuficiente”, afirmou Luciana Costa ao Valor, acrescentando que R$ 87 bilhões foram investidos em parceria com o banco entre 2013 e 2023. Isso ocorreu no âmbito do financiamento de 67% do valor relacionado a 19 empreendimentos de mobilidade de média e alta capacidade.

Em outra frente, os estudos contratados pelo BNDES devem oferecer um “banco de projetos” necessários para redução desse déficit de infraestrutura em mobilidade. Ao todo, o banco deve desembolsar cerca de R$ 28 milhões para o desenvolvimento desses estudos. “Sabemos que, se não fizermos, o setor privado não entra nessa fase do estudo porque a ‘taxa de mortalidade’ é alta”, afirmou a diretora, referindo-se à fase do projeto na qual o investidor não quer assumir o risco.

O especialista em infraestrutura da CNI, Ramon Cunha, aponta que, para recuperar o atraso de uma década de estagnação na mobilidade urbana no Brasil, é preciso, além de qualificar projetos e encontrar fontes de financiamentos, fazer cumprir a legislação do setor. Segundo ele, os municípios adiam com frequência os prazos de entrega dos seus planos de mobilidade urbana, o que geralmente serve de ponto de partida para os projetos de novas linhas de metrô, veículo leve sobre trilhos (VLT) e ônibus especiais com mais capacidade e eficiência na operação – os chamados BRTs.

Essa também é uma preocupação do governo federal, segundo o secretário nacional de mobilidade urbana do Ministério das Cidades, Denis Eduardo Andia. “O plano municipal é uma importante ferramenta para a gestão pública, pois permite melhor organizar o crescimento e prever os investimentos necessários em infraestrutura de deslocamento dentro das cidades”, diz o secretário.

Ele ressalta que fugir da responsabilidade de apresentar os planos de mobilidade para as cidades pode fazer as prefeituras perderem recursos. E lembra que o documento tem se tornado “um pré-requisito cada vez mais exigido para receber recursos públicos ou de bancos internacionais de investimentos”.

Segundo dados da Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, cerca de 20 municípios com mais de 250 mil habitantes ainda não possuem o plano. Outros quatro não prestaram informações ao governo federal. Prefeituras de cidades com mais de 250 mil habitantes tinham até 12 de abril deste ano para a elaboração e aprovação do plano.

“É importante ressaltar que os municípios com menos de 250 mil habitantes têm até o dia 12 de abril de 2025 para aprovarem seus planos, sem o risco de ficarem impossibilitados de receber recursos federais”, ressalta o secretário. “Para colaborar com os municípios de até 100 mil habitantes, a Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana disponibiliza suporte técnico para as equipes das prefeituras na elaboração de seus planos locais.” Somente 281 dos 1.796 municípios com menos de 250 mil habitantes elaboraram o plano de mobilidade urbana até o momento.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/08/01/projetos-de-mobilidade-voltam-ao-cenario-em-plena-restricao-fiscal.ghtml

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