Valor Econômico – Maior negócio da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o aço deixou de ser o principal fiador do grupo do empresário Benjamin Steinbruch. Diante do momento adverso para o setor globalmente e dos elevados investimentos em modernização de usinas, o braço de siderurgia do grupo tem consumido caixa, enquanto o de minério de ferro, sob a CSN Mineração, se tornou a principal fonte de liquidez imediata.
Ao fim do terceiro trimestre, dos cerca de R$ 19,3 bilhões que o grupo tinha em caixa, R$ 14,5 bilhões estavam na mineradora. Enquanto o aço gerou 14% do resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) consolidado entre janeiro e setembro de 2024, último dado disponível, o minério respondeu por 56%.
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A CSN Mineração (CMIN) tem sido usada para fazer frente a outros compromissos do grupo. Em janeiro, firmou com a controladora (que abriga o negócio de siderurgia) um contrato de cessão de recebíveis de exportação, com valor estimado de US$ 1 bilhão para 2025. Os recursos serão usados na amortização de contratos de pré-pagamento de exportação, adiantamento sobre contratos de câmbio ou “contratos similares da CSN”.
Conforme comunicado, o contrato prevê uma “governança” entre as respectivas áreas financeiras, “para garantir que apenas o excesso de lastro que não seria utilizado pela CMIN seja cedido à CSN”.
Em relatório do fim de janeiro, o analista Alexis Panton, do BNP Paribas, escreveu que a CSN parece estar enfrentando “uma situação cada vez mais complicada de liquidez” fora da mineração. “Não fomos surpreendidos pela operação, dadas as obrigações de curto prazo e o fluxo de caixa negativo extremamente elevado da CSN fora da CMIN”, apontou.
Ao fim de setembro, continua o analista, a controladora tinha obrigações de curto prazo de cerca de US$ 3 bilhões, entre dívida, leasing, contas a pagar, financiamentos a fornecedores e pré-pagamentos, também sem considerar a CSN Mineração.
A fraqueza da siderurgia, sobretudo a partir do segundo semestre de 2022 – quando as condições de competição no mercado global se tornaram mais difíceis com a sobreoferta de aço chinês barato -, e os desembolsos elevados da CSN para diversificar seus negócios pressionaram o endividamento.
A meta era encerrar 2024 com alavancagem medida pela relação entre dívida líquida e Ebitda de 2,5 vezes. No fim do ano passado, contudo, a CSN reviu o alvo e agora busca chegar a 3 vezes ao fim de 2025. Em setembro, esse índice estava em 3,34 vezes. Com mais caixa que dívidas, a CMIN tinha alavancagem negativa.
Há cerca de dez dias, a Moody’s cortou a nota de crédito da CSN, de “Ba3” para “Ba2”, elevando a perspectiva de negativa para estável, por causa das preocupações em torno da trajetória de alavancagem do grupo nos próximos 12 meses – para o período, as perspectivas para aço e minério não são positivas.
“Já tínhamos mudado a perspectiva da nota para negativo em setembro, mas a nossa premissa era que a alavancagem ia se manter, mas a CSN divulgou algumas notícias nos últimos meses que provocaram essa reavaliação”, disse Carolina Chimenti, analista sênior da Moody’s, ao Valor.
Nos últimos anos, o grupo empenhou alguns bilhões de reais na aquisição de ativos. Em cimento, comprou a Cimentos Elizabeth e a LafargeHolcim no Brasil. Em energia, levou a CEEE Geração e, em logística, a operação mais recente foi a proposta de R$ 742,5 milhões por 70% da dona da Tora Transportes.
Os dispêndios, combinados à piora dos resultados na siderurgia, levaram os analistas a adotar postura mais cautelosa em relação aos papéis da CSN e há receio em relação a compromissos de alavancagem assumidos em contratos de dívidas.
Numa extrapolação, sem considerar o Ebitda gerado pela mineradora, o analista do BNP Paribas chega a índices que romperiam cláusulas de dívidas acertadas com credores. Mas esse cálculo do banco, na avaliação de uma fonte próxima à empresa, é inapropriado, porque considera as dívidas holding (também para investimento em todas as controladas) e exclui o negócio de mineração do Ebitda que foi usado para estimar esses índices.
Chimenti, da Moody’s, destaca a aquisição da controladora da Tora Transportes, além do plano de investimentos divulgado pelo grupo no fim do ano passado, como fatores que influenciaram na redução da nota de crédito. A agência acredita que a alavancagem da CSN se manterá entre 4,5 e 5 vezes no próximo ano.
“A CSN tem ‘covenants’ de vencimento antecipado de dívida, o menor deles em 4,5 vezes [1,1 vez acima da alavancagem em setembro]. Estamos tranquilos em relação à tendencia de redução da alavancagem da companhia”, disse ao Valor o diretor financeiro e de relações com investidores do grupo, Marco Rabello.
Conforme o executivo, a meta anunciada no fim do ano passado é ficar abaixo de três vezes ao fim de 2025. Mas, no médio e longo prazos, o plano é buscar uma alavancagem “bem menor”.
“Uma das grandes vantagens da CSN é o portfólio de ativos que está menos valorizado do que poderia e que abre espaço para realizar ações de liquidez estratégicas futuras. Exemplo disso é o veículo de Infraestrutura e Logística, que comentamos em nosso CSN Day”, acrescentou.
Assim como os planos já anunciados para a CEEE (de buscar um sócio minoritário) e realizados na CMIN (abrir capital e trazer um sócio minoritário), a CSN tem ainda 100% de dois negócios, Cimentos e CSN Infra, que poderiam trilhar o mesmo caminho, incluindo uma potencial oferta pública de ações.
Além disso, ante a forte posição de caixa consolidado, que ainda não considerava os R$ 4,4 bilhões da venda da fatia de 10,7% da mineradora para a Itochu Corporation no fim do ano passado, o grupo poderia usar parte desses recursos para trocar dívidas mais caras e alongar seu endividamento no decorrer de 2025.
Na avaliação da Moody’s, a posição de caixa da CSN é elevado e o perfil de amortização de dívida mais longo aliviam a situação do grupo. “A empresa não tem esse histórico de fazer mudanças estruturais na dívida, mas no atual rating, não nos incomoda.”
Chimenti chama atenção para o fato de boa parte da liquidez estar concentrada na CSN Mineração. “Gostaríamos de ver essa alavancagem mais equalizada entre as subsidiárias”, comentou. Do ponto de vista de risco, seria melhor a holding não depender tanto dos dividendos da CSN Mineração”.
Outras empresas do setor de siderurgia, como Gerdau e Usiminas, fizeram reestruturações mais profundas em suas dívidas desde a última crise do setor, entre 2015 e 2016, enquanto a CSN reduziu alavancagem por meio de crescimento operacional, lembrou Chimenti. “Hoje, a CSN tem o rating mais baixo entre as três.”
Para a Moody’s, a nova perspectiva estável da nota “Ba2” indica a expectativa de que a CSN manterá trajetória de redução da alavancagem para abaixo de 3 vezes e posição de caixa em torno de R$ 15 bilhões. “Tais metas aumentam a visibilidade da habilidade da companhia de manter métricas de crédito robustas”, apontou a agência.
As outras duas principais agências de classificação de risco, Fitch Ratings e S&P Global Ratings, têm nota de crédito global “BB” para a CSN, o que é equivalente à classificação “Ba2” da Moody’s. A primeira tem perspectiva estável, enquanto a S&P alterou a sua de estável para negativa em agosto passado.
Os analistas de bancos que acompanham as ações de CSN e CSN Mineração também estão cautelosos com as empresas. Consulta feita pelo Valor mostra que nove grandes instituições têm cobertura das ações de CSN, enquanto outras 12 fazem cobertura de CSN Mineração. Todos os bancos que cobrem CSN também cobrem CSN Mineração, no entanto, três – BTG Pactual, Jefferies e Morgan Stanley – só cobrem os papéis da unidade de mineração.
Das nove instituições que cobrem CSN, sete têm recomendação neutra e duas de venda, com preço-alvo médio das ações em R$ 11,90, potencial de alta de 35% sobre o fechamento de quinta-feira (20). No caso da CSN Mineração, há uma recomendação de compra, sete neutras e quatro de venda, com preço-alvo médio em R$ 5,60, potencial de alta de 4,5%.
O J.P. Morgan, último banco a fazer modificações em suas estimativas para as companhias, destaca que os resultados da CSN devem continuar a ser pressionados por preços de aço mais baixos em meio ao intenso volume de importação de produtos vindos da China. Os analistas Rodolfo Angele e Thatiane Martins Candini escreveram, em relatório, que as ações da CSN Mineração estão com “múltiplos esticados”, ou seja, elas estariam sobrevalorizadas em relação aos indicadores financeiros da empresa. O banco recomenda a venda do papel porque acredita haver “nomes mais atraentes” no setor na América Latina, como a Vale.
Rabello, da CSN, lembra que a companhia já sinalizou para uma potencial melhora do desempenho da siderurgia após os investimentos recentes em Volta Redonda (RJ). “Como já dissemos anteriormente, a melhora de cenário operacional e comercial em minério, cimento e aço, que vai se beneficiar dos investimentos executados em Volta Redonda, vai ajudar na desalavancagem”, afirmou, sem fornecer informações adicionais sobre potencial venda de ativos do grupo ou reestruturação de passivos.
A CSN também conta com o potencial recebimento de R$ 3,1 bilhões da rival Ternium, relativos à entrada da companhia ítalo-argentina no capital da Usiminas, para reforçar a posição de liquidez. Dona de 12,9% da siderúrgica mineira, a CSN defende que houve troca de controle quando a Ternium comprou a fatia inicial de 27,7% do capital votante da siderúrgica mineira – que pertencia a Votorantim e Camargo Corrêa e à Caixa dos Empregados da Usiminas – e, há mais de dez anos, busca uma indenização na Justiça.
Até meados do ano passado, a Ternium vinha vencendo todas as rodadas da disputa. Em junho, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou o rumo do processo ao decidir pelo pagamento da indenização à CSN. Em dezembro, a 3ª Turma do STJ manteve a decisão, mas reduziu de R$ 5 bilhões para R$ 3,1 bilhões o valor previsto.
O grupo ítalo-argentino avisou que recorreria, e tudo indica que o processo chegará ao Supremo Tribunal Federal (STF), numa batalha que poderá levar ainda mais tempo. Junto com os resultados do terceiro trimestre, a Ternium informou que reverteu US$ 404 milhões da provisão referente ao litígio, dada a decisão da 3ª Turma do STJ.
Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/02/24/na-csn-mineracao-garante-liquidez-do-grupo.ghtml
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