Estadão – A maior incidência de altas temperaturas nas cidades traz uma nova preocupação para o transporte sobre trilhos, como os trens. O calor intenso provoca a dilatação das vias, levando o metal a se curvar. A deformação é chamada de flambagem e aumenta o risco de descarrilamento do veículo.
A concessionária ViaMobilidade, responsável pela operação e manutenção das linhas de trem 8-Diamante e 9-Esmeralda em São Paulo, pintou com tinta branca metálica de 35 quilômetros de trechos estratégicos com o objetivo de reduzir as temperaturas nos trilhos, que variam entre 40º e 60º durante o verão, conforme a empresa.
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Na Baixada Fluminense, um trem descarrilou e tombou em fevereiro, em decorrência do calor. Segundo a SuperVia, companhia responsável pelo trecho, a linha férrea chegou a 71°C, o que provocou a flambagem. Não houve feridos e todos os passageiros foram retirados em segurança.
Técnica se inspirou em cidades da Europa
A maioria dos trechos mapeados para pintura ficava na Linha 8-Diamante, onde há mais curvas, segundo a ViaMobilidade. Os pontos mais críticos estão entre Osasco, na região metropolitana, e a Lapa, na zona oeste, e foram identificados por meio do monitoramento das temperaturas em locais que já haviam apresentado processo de flambagem anteriormente.
De acordo com o gerente executivo de manutenção da ViaMobilidade Alan Santana de Paula, a eficácia da pintura foi testada em trechos de trilhos no pátio de Presidente Altino, em Osasco.
“Nessas análises, observamos a diferença de temperatura de 5ºC em trechos de pequeno comprimento. Já com trechos longos, em via corrida e com a pintura sendo executada com o veículo, a diferença aumenta para até 6,5ºC (a menos)”, afirma. Todos os trechos mapeados já foram pintados, informou a companhia.
O time de engenharia da empresa conheceu a técnica na Europa, onde o recurso já é usado em países como Itália e Áustria. Em 2022, as temperaturas recorde de uma onda de calor que atingiu o continente fizeram trilhos de Londres se deformarem e até pegarem fogo.
Na ocasião, a Network Rail, responsável por gerenciar a infraestrutura ferroviária na Inglaterra, Escócia e País de Gales, também anunciou estar pintando os trilhos. Segundo o órgão britânico, quando a temperatura do ar chega a 30ºC, os trilhos podem estar até 20ºC mais quentes.
Além da pintura, a ViaMobilidade afirma realizar como medidas de resiliência climática “investimentos em manutenção preventiva e novas tecnologias, com o objetivo de minimizar impactos causados pelas chuvas e garantir a segurança e a mobilidade dos passageiros mesmo em condições adversas”.
A concessionária diz ter gasto cerca de R$ 7,3 milhões desde 2022 nas linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda. Até o fim da concessão, em 2052, prevê ultrapassar R$ 20 milhões com “obras de melhorias em drenagem, monitoramento estrutural e reparos”.
Flambagem pode afetar linhas de metrô?
Os trilhos do transporte ferroviário são feitos de ligas de aço com ferro e carbono. Outros materiais, como manganês, fósforo e silício, também podem entrar na composição para conferir mais dureza ou elasticidade.
Segundo o presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô, Luis Kolle, a dilatação varia de acordo com o material, mas é estimado aumento em torno de 0,0015% do tamanho da barra a cada 1ºC de aumento de temperatura.
O problema também pode afetar as áreas do metrô que operam a céu aberto e onde a via é de material metálico. Mas, segundo Kolle, o risco de uma flambagem que impediria o tráfego momentâneo de trens do metrô atualmente é “muito baixo”.
Em nota, o Metrô de São Paulo informou realizar inspeções diárias para detectar qualquer inconformidade nos trilhos das Linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha. São feitas “verificações visuais e o uso de aparelhos de ultrassom” e, caso necessário, a peça com defeito é corrigida ou substituída durante a madrugada, “garantindo a segurança e a operação contínua do sistema”.
A companhia não respondeu se realiza ou estuda realizar pintura antiflambagem, afirmando que “a maior parte dos trilhos permanece protegida da exposição direta ao sol, o que contribui para sua durabilidade e conservação”.
“O material utilizado nas emendas dos trilhos do metrô proporciona uma absorção da dilatação de forma adequada à amplitude térmica que podemos encontrar na cidade de São Paulo”, diz.
No Brasil, o engenheiro explica que os sistemas ferroviários urbanos têm adotado há anos trilhos contínuos, com ligas de aço específicas para suportar as variações térmicas a qual as vias estão sujeitas. Mas o calor extremo cria novos desafios.
“As mudanças climáticas vêm nos proporcionando amplitudes térmicas além do pensado nos projetos das vias que foram construídas 20, 30 anos atrás”, afirma Kolle. “Essas situações cada vez mais exigentes também são precursoras do desenvolvimento de materiais que possam responder de forma diferente”.
Diante dos riscos crescentes, ele afirma ser necessário fazer uma reavaliação desse modelo, o que poderia trazer de volta as juntas de dilatação que existiam nas vias férreas do século passado. Essas juntas dão espaço para o metal dos trilhos expandir e eram responsáveis pelos ”pequenos solavancos e barulhos característicos dos trens naquela época”, mas hoje seriam implantadas com condições mais modernas.
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