A integração tarifária entre trilhos e pneus: um desafio institucional

Sérgio Avelleda
é sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper

A Jabuticaba é a melhor fruta que existe. Reúne sabor, textura, cor e versatilidade. Não encontro nada parecido em nenhuma outra. Além de fruta deliciosa, jabuticaba também passou a denotar algo que apenas o Brasil emprega. Em geral, define algo inusitado e não funciona bem (nada mais injusto com a deleitosa fruta).

Uma das nossas “jabuticabas” é a maneira como gerimos as tarifas do transporte público nas regiões metropolitanas que oferecem serviços de passageiros sobre trilhos e sobre pneus.

Em geral, metrôs e ferrovias são oferecidos pelos governos do Estado ou pelo governo federal, enquanto os serviços de ônibus são oferecidos pelas cidades, nas linhas locais, e pelos Estados, nas intermunicipais metropolitanas.

O mundo ideal, praticado em diversos países do mundo, é a existência de uma autoridade metropolitana que unifica planejamento, operação, tarifas e meios de pagamento, oferecendo ao usuário a maximização das utilidades dos sistemas.

Por aqui, fazemos ao contrário. O planejamento de linhas é feito por organismos distintos, resultando em desintegrações ou integrações muito ineficientes, ou pior, linhas que ao invés de cooperarem, concorrem entre si.

A operação também é descasada. Cada qual define intervalos, horários e nível de oferta de acordo com a sua conveniência e não em cooperação, otimizando o sistema como um todo.

Me lembro quando era Presidente da CPTM, em São Paulo, e precisávamos diminuir a demanda da estação Guaianazes, da Linha 11, que sofria com uma superlotação que gerava desconforto e insegurança aos usuários. Identificamos uma série de linhas municipais que poderiam ser deslocadas para a estação São Miguel Paulista, da Linha 12, que ainda tinha espaço. Como a gestão das linhas municipais era da prefeitura, não conseguimos otimizar as integrações. Pura jabuticaba colhida na árvore…

E, por fim, as tarifas são calculadas e subsidiadas com foco exclusivamente no atendimento das demandas de cada modo de transporte.

Em São Paulo, em 2005, conseguimos integrar fisicamente o bilhete único da Prefeitura de São Paulo nos sistemas estaduais de trilhos. A integração física possibilitou a integração das tarifas e o que antes eram modos de transporte praticamente isolados, se tornaram um sistema de transporte. Não à toa a demanda do Metrô cresceu quase 50% em um ano, sem nenhuma inauguração de nova linha ou estação. Anos depois, Metrô e CPTM implantaram um sistema de bilhetagem que não é aceito nos ônibus municipais. Quase uma geleia de jabuticaba…

O Rio de Janeiro talvez leve o prêmio da Jabuticaba Gourmet. Lá o ônibus recebe subsídio municipal – medida sempre correta, que barateia tarifas e democratiza acesso nas cidades, enquanto o Metrô não recebe tratamento igual do Governo do Estado, que possui uma política própria de subsidiar a população mais carente, chamada de tarifa social. Assim, observem que a tarifa unitária do ônibus é de R$ 4,70 enquanto a do metrô é de R$ 7,50. Isso significa que viajar de metrô custa 60% a mais do que de ônibus. Se você não for beneficiário da tarifa social, não terá direito a integração. Ou seja, um sistema estruturante, de alta capacidade tem um preço absolutamente proibitivo em si, e muito mais caro que o outro modo de transporte. Apesar dos dois modos comporem o sistema de mobilidade da cidade do Rio de Janeiro, a barreira tarifária faz com que eles não sejam percebidos assim. É fácil intuir que os usuários com restrições orçamentárias irão escolher o ônibus, em detrimento dos trilhos. Enquanto deveria existir cooperação entre os modos de transporte, há competição…

O ITDP apurou que famílias carentes comprometem até 35% da sua renda com a mobilidade diária. Feche os olhos, caro leitor. Calcule 35% da sua renda indo para custear seus deslocamentos. É uma barbaridade de dinheiro, não? Se você tiver que escolher entre um meio de transporte mais barato, você provavelmente irá fazê-lo. Veja o que aconteceu quando o Governo de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo integraram o bilhete único. Uma multidão de usuários que apenas usava o ônibus, por ser mais barato, ainda que mais demorado, migrou para se integrar ao Metrô. Todos saíram ganhando, e muito. O sistema de pneus pode se concentrar em alimentar os trilhos: menores distâncias, maior IPK. O Metrô viu sua receita aumentar muito, ocupando espaços ociosos que existiam no sistema. O usuário ganhou tempo e qualidade de vida.

Apenas por falta de capacidade de interlocução política perdemos a chance de tornar nossas cidades mais acessíveis, socialmente justas, sustentáveis, competitivas e prósperas.

É uma salada de frutas só de jabuticaba!


Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*