Diário de Cuiabá – Um dos maiores projetos na carteira de infraestrutura do Governo, a Ferrogrão poderá ter 40 impactos socioambientais negativos, sendo 12 de “alta significância”, como risco de interferência em Areas de Proteção Permanente (APPs) e de contaminação dos recursos hídricos na região.
Esses efeitos foram identificados na versão preliminar dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-Rima) da ferrovia, que deverá ter 933 quilômetros em sua primeira fase, entre Sinop (500 km ao Norte de Cuiabá) e Itaituba (PA).
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A obra está orçada em R$ 8,4 bilhões e tornou-se a principal aposta do Governo para impulsionar o escoamento de grãos pelo chamado Arco Norte, tirando supercaminhões das estradas e reforçando uma alternativa logística aos produtores agrícolas, que hoje mandam suas cargas especialmente para os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR).
Recém-protocolados no Ibama, responsável pelo licenciamento do projeto, os estudos indicam uma série de efeitos possíveis durante a etapa de obras: interferência em APPs, fragmentação de habitats, perturbação da fauna, redução do estoque de carbono e diminuição da flora nativa, em especial os endêmicos, raros e os ameaçados de extinção.
“No aspecto físico, as atividades transformadoras precursoras de impactos de alta significância poderão comprometer cursos d’água por meio do assoreamento e da contaminação dos recursos hídricos (superficiais e subterrâneos)”, diz trecho do estudo.
O projeto da Ferrogrão está em análise, atualmente, no Tribunal de Contas da União (TCU).
A expectativa do Ministério da Infraestrutura é fazer o leilão da ferrovia no segundo semestre.
Se tudo correr como o planejado, ela iniciaria suas operações no fim desta década.
No auge, estima-se que ela transportará pouco mais de 52 milhões de toneladas de commodities agrícolas por ano.
O estudo ambiental identificou 726 áreas de proteção permanentes, que somam 11.341 hectares, em um raio de 500 metros da ferrovia.
Em um raio expandido de dez quilômetros, há 18 áreas consideradas pelo Ministério do Meio Ambiente como prioritárias para conservação, uso sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade.
No levantamento de fauna, surgiram 14 mamíferos na lista de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), que detém o maior catálogo do tipo no mundo.
Três são classificadas como “em perigo” (quando há evidência de que, provavelmente, vão ser extintas em um futuro próximo): o macaco-aranha-da-cara-branca, o cuxiú-de-nariz-branco e o tapiti.
Outros documentos levantam preocupações ainda maiores com a construção da ferrovia.
Em estudo divulgado em dezembro, quatro pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) reconhecem que a Ferrogrão trará ganhos econômicos, mas apontam ameaças ambientais e para comunidades indígenas, por causa das mudanças na dinâmica de transporte da região.
Os pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, Britaldo Soares Filho, Amanda Ribeiro, Juliana Davis e William Costa, veem a possibilidade de impacto em áreas protegidas de 4,9 milhões de hectares em municípios que já acumulam 1,3 milhão de hectares desmatados ilegalmente.
Eles avaliam que a redução dos custos de transporte propiciada pela Ferrogrão “incentiva o aumento da produção agrícola, motivando em consequência a conversão de áreas aptas para agricultura, quer seja pastagens ou vegetação nativa”.
Há uma advertência especial sobre o projeto de estação de carregamento em Matupá (695 km ao Norte de Cuiabá).
Os pesquisadores indicam que poderia haver uso mais intenso de rodovias estaduais para a chegada dos grãos até a ferrovia.
Uma das estradas passa dentro do Parque Nacional do Xingu, o que traria reflexos negativas para o povo indígena e para as comunidades do entorno.
O próprio EIA-Rima enumera ações mitigadoras ou compensatórias para cada impacto socioambiental detectado.
Por exemplo: a construção de 261 passagens de fauna, sob o traçado da ferrovia, como forma de diminuir o atropelamento de animais. Ou medidas específicas de controle dos processos erosivos.
Lembrando que se trata de uma primeira versão do EIA-Rima e o próprio Ibama pediu complementações, a subsecretária de Sustentabilidade do Ministério da Infraestrutura, Larissa Amorim ressalta que a identificação de impactos negativos é muito comum nos estudos.
“Quanto mais esmiuçado, melhor para o processo de licenciamento, porque a gente consegue tratar com ações de mitigação. O que não for possível mitigar, precisa ser compensado. Mas a Ferrogrão continua sendo um projeto extremamente vantajoso.”
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