Crise hídrica deixa em alerta desempenho do agronegócio

Valor Econômico – Após quatro anos como locomotiva da economia, contribuindo para tirar o país da recessão que marcou 2015 e 2016, e para amenizar a debacle com a pandemia em 2020, o agronegócio deve perder o protagonismo neste ano. Não haverá um recuo. Outros setores vão crescer mais, até porque vêm de anos de baixa. As previsões são que o agronegócio vai crescer pouco mais de 2,5% neste ano. Mas os resultados seriam melhores não fosse o agravamento da escassez de água.

A situação só não está pior porque a crise hídrica estourou após o fim da colheita da soja, responsável por mais da metade da safra recorde de grãos prevista para o ciclo de 2020/21. Ainda ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Companhia Nacional de Abastecimentos (Conab) divulgaram os números da safra atual com crescimento. Para o IBGE, a safra brasileira de grãos deve chegar a 258,5 milhões de toneladas neste ano, 1,7% maior que a do ano passado, ou o equivalente a 4,4 milhões de toneladas, mas houve recuo em relação à estimativa feita no mês passado. Enquanto a produção de soja deve crescer 9,7% para novo recorde de 133,3 milhões de toneladas, e a de arroz 1,5% para 11,2 milhões de toneladas, o milho deve recuar 8% para 95 milhões de toneladas. A cultura de cana também está ameaçada de quebras. Frutas e hortifrutigranjeiros.

IBGE e Conab estão pessimistas com a safrinha do milho, segundo grão mais cultivado no país, cujo plantio foi atrasado e sofreu o impacto dos problemas hídricos. Em consequência, a produção deve cair, apesar do aumento da área plantada e colhida, e da ampliação dos investimentos feitos. Outros produtos afetados pela seca são laranja, que terá sua pior quebra da história na área compreendida por São Paulo e Minas Gerais, e café, com estimativa de produção 21% inferior à de 2020. O feijão sentiu o impacto da estiagem nas suas duas primeiras safras, e talvez na terceira, que responde por 20% do total e é majoritariamente irrigada durante todo o ciclo produtivo. Outro produto afetado é o arroz, que já sofreu redução da área plantada no Sul em consequência do baixo nível dos reservatórios, região que recorre muito à irrigação. Mais dependentes ainda são as lavouras de ciclo curto, como os hortifrútis, que abastecem as cidades a partir dos cinturões verdes.

A agricultura é uma das atividades que mais consome água porque utiliza principalmente a irrigação por aspersão, que gasta mais do que a tecnologia de gotejamento. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a agropecuária é responsável por 70% de toda a água consumida no mundo.

De imediato, o setor receia a falta de água para irrigação. O custo mais alto da energia necessária para captar e distribuir a água também vai influenciar a rentabilidade. Tudo isso vai repercutir negativamente na inflação. Os preços elevados nos mercados externo e interno compensam as perdas na produção e o aumento do custo de fertilizantes. A agropecuária representa quase um quarto das exportações brasileiras.

Outra preocupação é a interrupção do uso da hidrovia Tietê-Paraná para transporte de produtos agrícolas de modo a que a água seja direcionada apenas para a geração de energia. Na crise de 2013 a paralisação da hidrovia afetou o transporte de 6,5 milhões de toneladas e provocou prejuízos superiores a R$ 1 bilhão. Atualmente, transitam por ela 12 milhões de toneladas, segundo a Confederação Nacional da Agricultura, a CNA (Valor 29/6).

A agropecuária não é das atividades que mais empregam mão de obra. Do estoque total de empregos formais de 39,4 milhões no fim de 2020, o setor detinha 1,6 milhão de vagas. Mas, ao longo do ano, foi o terceiro maior criador de vagas, depois da construção civil e da indústria, mostrando sua importância em um momento em que os demais setores estão deprimidos.

Em momento de crise hídrica como a atual, a agropecuária também será atingida e não pode deixar de ser ouvida. Mas a crise é também uma oportunidade para a agropecuária rever seus processos e buscar maior eficiência no consumo de água.

Somente a safra recorde de soja garante crescimento ao redor de 2,6% projetam o Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Tendência Consultoria. Para o Banco Central (BC), o PIB agrícola vai crescer de 2% a 2,5% neste ano. Mas, os especialistas acompanham o desenvolvimento do quadro e podem rever as projeções.

Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/noticia/2021/07/09/crise-hidrica-deixa-em-alerta-desempenho-do-agronegocio.ghtml

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