Folha de S. Paulo – A produtora de celulose Eldorado Brasil apresentou esta semana ao governo o projeto de construção de uma ferrovia sob o novo marco regulatório do setor, implantado em agosto por medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Com investimento previsto em R$ 890 milhões, o trecho de 89 quilômetros vai ligar sua unidade em Três Lagoas (MS) à Ferronorte, operada pela Rumo Logística, em Aparecida do Taboado (MS). Dali a carga seguirá para o porto de Santos (SP) utilizando apenas o modal ferroviário.
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É o 24º trecho requerido após a permissão para que ferrovias sejam construídas sem a necessidade de licitação, proposta defendida pelo Ministério da Infraestrutura como um impulso para dobrar a participação de trens na matriz de transporte brasileira para 40% até 2035.
A elevada demanda por novos trechos após a mudança nas regras surpreendeu o governo e, segundo a consultoria GO Associados, tem potencial para gerar cerca de 2,5 milhões de empregos e um efeito de R$ 342 bilhões na cadeia produtiva do setor, com encomendas de bens, insumos e serviços.
A estimativa é de estudo feito para a ANTF (Associação Nacional do Transporte Ferroviário) e considera os primeiros 23 projetos apresentados, com investimento de R$ 100 bilhões. Com o 24º, a cifra sobe para quase R$ 101 bilhões.
O mercado espera alguma mortandade de projetos, mas o Ministério da Infraestrutura diz que identifica na lista empreendimentos robustos, geralmente associados a terminais portuários ou a donos de carga, como empresas mineradoras e de celulose.
O assessor especial para ferrovias do ministério, Marcos Félix, diz que o número de projetos apresentados logo no início do programa surpreendeu. “Nós esperávamos uns seis ou sete projetos. Mas na primeira semana recebemos 11”, diz.
Os agora 8,5 mil quilômetros propostos são suficientes para ampliar em mais de 25% a malha brasileira atual, que tem 30 mil quilômetros.
Pode ser também um impulso à retomada econômica, diz o sócio da consultoria GO Associados, Gesner Oliveira, que estudou os potenciais impactos dos investimentos na cadeia produtiva do setor e no mercado de trabalho.
Seu estudo considerou a matriz insumo-produto do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para concluir que cada real investido em ferrovias geraria quase R$ 3,50 ao longo da cadeia. Os 2,5 milhões de empregos gerariam outros R$ 49 bilhões em efeito-renda.
Além disso, R$ 7,7 bilhões seriam pagos em impostos pelos investidores responsáveis pela construção dos trechos.
“Trata-se de um investimento de grande importância, seja pelo seu impacto na economia e, consequentemente, no fortalecimento da retomada econômica, seja pelo seu impacto na própria infraestrutura, em particular para o agronegócio, na articulação de modais e na integração do país”, diz.
O diretor executivo da ANTF, Fernando Paes, diz que, além de fomentar fornecedores já instalados no país, como fabricantes de vagões e dormentes, os elevados investimentos podem incentivar a chegada de novos segmentos, como o de trilhos.
“O Brasil já produziu trilhos mas essa indústria encerrou atividades por falta de demanda”, diz ele.
Os 23 requerimentos criam rotas que atendem 13 estados e o Distrito Federal. O Ministério da Infraestrutura avalia que há três tipos de empreendedor: donos de carga, como a Eldorado, empresas que já operam ferrovias e operadores de portos.
Estão no primeiro grupo, por exemplo, Rumo Logística e VLI Logística. No segundo, investidores nos portos de Presidente Kennedy e Linhares, no Espírito Santo. O terceiro tem mineradoras e empresas de celulose.
Um dos projetos do último grupo é desenvolvido pela Grão-Pará Multimodal, que prevê ligar a ferrovia a um terminal portuário em Alcântara (MA) para escoar minério e grãos. O grupo, de origem portuguesa, vê um esgotamento da capacidade de transporte na região.
“A Estrada de Ferro Carajás [da Vale, que liga o Pará ao Maranhão] está ficando muito congestionada”, diz o diretor-executivo do grupo, Paulo Salvador. “Com a perspectiva de crescimento do agronegócio nos próximos anos, o potencial tanto da ferrovia quanto do porto é enorme.”
O projeto prevê 520 quilômetros de ferrovias ligando a Norte-Sul a um porto de águas profundas, com investimento estimado em US$ 1,5 bilhão (R$ 6,3 bilhões pela cotação atual). Salvador diz que a empresa trabalha no projeto há cinco anos e a previsão atual é de iniciar operações em 2026.
A autorização para a construção de ferrovias depende apenas de análise dos projetos pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e do apetite do investidor. O mercado, porém, vê maior viabilidade naqueles projetos que terão cargas dedicadas.
O governo celebra o elevado número de requerimentos como uma revolução na infraestrutura ferroviária do país, que já vem recebendo elevados investimentos nos últimos anos, com as obras da Norte-Sul e a renovação de concessões antigas, que têm como contrapartida projetos de expansão da malha.
Alguns dos projetos do Pró-Trilhos são extensões desse processo. A VLI e a Rumo, por exemplo, disputam um trecho que ligará o interior do Mato Grosso à Norte-Sul por meio da Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), cujas obras a Vale assumiu em troca de renovação de concessões.
Esse trecho vai a Lucas do Rio Verde (MT), importante polo do agronegócio ainda não atendido pelo modal ferroviário. Caso o sistema seja concluído, a produção da região poderá ir de trem até portos no Norte ou no Sudeste do país.
O programa, porém, ainda enfrenta questionamentos em relação aos critérios para escolha do operador em trechos onde há mais de um interessado. O Ministério da Infraestrutura propôs inicialmente que não sejam negadas autorizações, mesmo quando há trechos concorrentes.
O Congresso debate um projeto de lei sobre o tema, que prevê competição entre os interessados em caso de projetos coincidentes. Mesma visão tem a representação do Ministério Público no TCU (Tribunal de Contas da União), que chegou a pedir suspensão do processo mas não obteve sucesso.
O ministério defende que o ideal seria conceder autorizações para mais de uma ferrovia no mesmo trecho, promovendo a competição entre os operadores, e não limitar o número de ferrovias por rota. E cita como exemplo o mercado norte-americano, em que há diversos ramais competindo por clientes.
“É assim que funciona em competição intramodal”, diz Felix. “A malha brasileira não crescia porque a barreira jurídica para o mercado oferecer os projetos era muito grande”.
O ministério diz que os novos projetos beneficiarão as concessões atuais, já que há trechos alimentadores da malha existente e outros que conectam esses trilhos a novos portos, ampliando a demanda pela infraestrutura atual.
Considerada a espinha dorsal do sistema ferroviário brasileiro, a Ferrovia Norte-Sul, por exemplo, está no caminho de nove dos 23 projetos apresentados ao governo.
Felix avalia ainda que o modelo de autorizações pode vir a fomentar novos empreendimentos de transporte de passageiros, coordenados com projetos imobiliários mais distantes dos grandes centros, em operações em que a venda dos imóveis financiaria os trilhos, modelo comum no Japão.
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