Um exemplo de como o Brasil joga milhões de dólares fora

Uma área de 170 mil metros quadrados num bairro de classe média de Araraquara abriga um cenário de filme de época dos tempos de glória das ferrovias paulistas. Ao lado do outrora imponente clube da Ferroviária de Araraquara, hoje abandonado, espalham-se 6 galpões de 8 mil metros quadrados cada um, compondo o que foi a prestigiosa oficina de trens da cidade. Todos brancos, com exceção de um, amarelo, como a indicar que algo de exótico se esconde ali. E de fato se esconde.
No interior do galpão amarelo, cujo acesso é vedado pela segurança da Brasil Ferrovias – a empresa privada que comprou a malha ferroviária paulista em 1998 –, descansam, há 18 anos, 1.743 caixotes, com peças de 23 locomotivas, subestações de energia elétrica e rede aérea de cabos. Não se pode ver a olho nu, mas, debaixo do pó dos caixotes e peças espalhadas pelo chão, além dos cerca de US$ 500 milhões que foram enterrados no negócio, estão as impressões digitais de Nelson Tanure, o empresário que tenta comprar a Varig.

A história do trem-fantasma de Araraquara começou em julho de 1974, quando Paulo Maluf, secretário de Transportes de São Paulo no governo Laudo Natel, foi a Paris captar recursos para as ferrovias do Estado.

Em fevereiro de 1975, o deputado Delfim Netto, então embaixador do Brasil em Paris, assinava empréstimos com o Crédit Lyonnais e o Banco Francês de Comércio Exterior, no valor de US$ 145 milhões, para financiar parte de um plano de remodelação dos serviços de trens suburbanos de São Paulo em integração com o metrô. Naquele ano, por coincidência, Tanure, aos 23 anos, estava em Paris. O mundo vivia sob o choque do petróleo, desencadeado, em 1973, pela guerra do Yom Kipur, entre Israel e seus vizinhos árabes. A Ferrovia Paulista S/A (Fepasa) via nas locomotivas elétricas uma válvula de escape para a pressão do preço do diesel. O que era inicialmente um negócio de trens suburbanos foi incorporado, em julho de 1975, a um ambicioso plano de modernização e eletrificação da Fepasa, que passaria a incluir transporte de carga.

Com aval do Banco Mundial, o plano exibia cifras de US$ 1,3 bilhão. A parte parisiense do negócio foi orçada em US$ 375 milhões. De acordo com a revista britânica especializada Railway Gazette International, o Brasil se prontificava a comprar os trens mais caros do mundo. Thomaz Magalhães, o secretário de Transportes que sucedeu Maluf no governo Paulo Egydio Martins, chamou o contrato de “lesivo”, renegociou o valor para US$ 265 milhões e a Fepasa seguiu adiante com seus planos grandiosos de eletrificação.

Em maio de 1980, agora com Delfim Netto como ministro do Planejamento e Maluf como governador, a Fepasa assinou novo contrato, no valor de US$ 506 milhões, com um Consórcio Brasileiro Europeu, encabeçado pela Engenharia e Máquinas S/A (Emaq), do Rio. O negócio previa o fornecimento de 80 locomotivas de carga, 27 subestações (que alimentam as redes aéreas) e a eletrificação de 800 quilômetros entre Uberaba e Santos.

O equipamento teria componentes franceses, suíços, alemães e brasileiros. Entre os franceses, estava a GEC Alsthom, com a qual Tanure teve negócios nos anos 80. Os europeus mandariam duas locomotivas-modelo e as peças para a Emaq montar as outras 78. Do valor total, US$ 326 milhões eram destinados a pagar equipamentos construídos pela indústria nacional e US$ 180 milhões, para os europeus.

DESVIO

O dinheiro do empréstimo internacional, no entanto, foi desviado para outros fins, como era comum naqueles tempos. Dos US$ 326 milhões que entraram para a Fepasa, o Banco Central reteve US$ 302 milhões, em amortização de dívidas da companhia. O negócio começou a sair dos trilhos em agosto de 1983, quando a Fepasa pediu o reescalonamento das parcelas do financiamento e um crédito suplementar para pagar os equipamentos.

Em outubro de 1984, foi a vez de José Serra, secretário de Planejamento de Franco Montoro, ir a Paris. Hoje prefeito de São Paulo, ele se reu

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Fonte: O Estado de S. Paulo

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