Participei da viagem de trem que foi alvo de tiros dos traficantes da favela do Jacarezinho, no Rio, e que foi manchete dos principais jornais brasileiros no início da semana passada. Como todos sabem, aquele trem transportava dois ministros de Estado e várias outras autoridades, além de empresários e jornalistas. Não fosse por isso, o tiroteio na favela, mesmo tendo como alvo um dos trens que passam por ali todos os dias transportando cargas em direção ao porto do Rio de Janeiro, certamente não seria noticiado com tanto destaque.
A violência daquele dia acabou por abafar o motivo do evento que culminou no passeio de trem. Tratava-se da inauguração de uma obra que trouxe melhores condições de segurança e de eficiência para o transporte ferroviário, com a retirada de 450 barracos da favela do Arará, encostados ao longo de 1,5 quilômetro dentro da faixa de segurança da ferrovia. Centenas de famílias que viviam perigosamente próximas dos trilhos receberam novas moradias; outras preferiram uma indenização em dinheiro.
Em parceria com o município do Rio de Janeiro, o Ministério das Cidades e a Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), a concessionária MRS Logística conseguiu solucionar naquela localidade um grave problema que hoje ainda existe em 434 trechos de ferrovias brasileiras. São as invasões de faixa de domínio, displicentemente toleradas durante décadas pela extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), a estatal que monopolizava o transporte sobre trilhos no Brasil.
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O transporte ferroviário de cargas encontrava-se estagnado, deficiente, acumulando prejuízos bilionários para o governo, e somente foi revitalizado a partir do modelo de concessões para a iniciativa privada, iniciado em 1996. Desde então, as empresas concessionárias investiram mais de R$ 13 bilhões na recuperação do setor e recolheram mais de R$ 6 bilhões aos cofres públicos a título de concessões, arrendamentos, Cide e impostos. Embora a União seja proprietária da malha ferroviária e principal responsável por sua manutenção e expansão, o governo não reaplicou no setor nem a décima parte do que já arrecadou ao longo de mais de uma década de concessão.
A obra na favela do Arará é um exemplo a ser seguido. Para que não ocorram travessias de pessoas e animais ou novas invasões na faixa de domínio, foram construídos muros de concreto armado nos dois lados das duas linhas (uma das quais redescoberta após a retirada das moradias). Além da segurança nas operações, os trens poderão transitar em velocidade comercial (25 a 30 quilômetros por hora), com mais eficiência e produtividade. Outra obra semelhante deverá ser feita em Conceiçãozinha, na margem esquerda do porto de Santos (SP).
Há milhares de moradias nessas condições, em várias regiões do país. Plantações, ruas laterais e até áreas de lazer estão demasiadamente próximas das linhas férreas. A remoção dessas invasões depende do poder público. Soma-se a este quadro crítico a existência de inúmeras passagens de nível, perigosas travessias que diariamente colocam em risco a vida dos cidadãos.
Vale lembrar também que, nas ferrovias, a preservação da ordem e da segurança das pessoas e do patrimônio deveria estar a cargo da Polícia Ferroviária Federal (PFF), de acordo com a Constituição Federal. A realidade, porém, é distinta. As concessionárias não têm poder de polícia e precisam da PFF, atividade que ainda não foi regulamentada. O Ministério da Justiça publicou recentemente portaria para criar um Grupo de Trabalho com o objetivo de promover estudos para estruturação dessa força policial, mas falta agilidade.
A malha centenária, em precário estado de conservação, tem vários trechos sinuosos ou íngremes, com alguns percursos defasados das atuais necessidades de fluxo dos produtos agrícolas, industriais e minerais, e, além disso, apre-senta dificuldades de acesso aos principais portos regionais. Estes e outros fatores contribuem para que o transporte ferroviário de c
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