* Artigo de Maílson da Nóbrega
A construção de um trem-bala para ligar o Rio a São Paulo e Campinas é desaconselhada por quem entende do assunto. Questionam se a viabilidade econômica, a modelagem financeira, a estimativa de custos e a prioridade conferida à obra.
Mesmo assim, o Congresso aprovou o financiamento de 20 bilhões de reais do BNDES, a criação de uma estatal para gerenciar o trem-bala e o subsídio de 5 bilhões, para o caso de não se confirmar a previsão de passageiros.
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O trem-bala lembra os grandes projetos do regime militar, como a Ferrovia do Aço, que nunca se viabilizou, e a Transamazônica, que mais de quarenta anos depois ainda não justificou sua construção.
A obsessão de tocar o projeto guarda analogia com o filme A Ponte do Rio Kwai (1957). Um batalhão britânico, prisioneiro dos japoneses na II Guerra, é informado de que trabalharia na construção da ponte.
Contra a opinião de seus oficiais, o coronel britânico Nicholson (Alec Guinness) aceita liderar a obra. Dizia que era para manter o moral da tropa. Constatando que o local e os materiais escolhidos não eram os melhores, substituiu tudo com seu próprio projeto. Nicholson se apaixonou pelo projeto e o executou. Obsessivo e soberbo, orgulhava-se do trabalho, esquecendo que beneficiava o inimigo.
Por isso, os aliados planejaram dinamitar a ponte quando o primeiro trem passasse. Momentos antes da inauguração, ele percebeu o detonador. Ao ouvirem o trem se aproximar, ele e o coronel japonês correram para salvar a ponte.
O japonês foi abatido pelos aliados. Nicholson, mortalmente ferido, caiu sobre o detonador, que foi acionado. Destruída a ponte, o trem e suas tropas mergulharam no rio.
Voltemos ao trem-bala. A estimativa de custo, de 34,6 bilhões de reais, poderá passar de 50 bilhões. Além do habitual acréscimo em obras públicas, ainda não há projeto executivo de engenharia, o que aumenta as incertezas quanto ao valor final.
O professor Paulo Fleury, respeitado especialista em infraestrutura e logistica, aponta uma característica inédita da obra: seu trajeto irá do nível do mar (Rio) a 700 metros (São Paulo) em 400 quilômetros, atravessando a Serra do Mar. A complexa engenharia exigirá muitos túneis e pontes. Aumentarão custos e riscos de atraso.
Uma crítica abrangente foi feita por Marcos Mendes, consultor do Senado e profundo conhecedor de finanças públicas. Ele lembra que o trem-bala é para passageiros. Não poderá ser usado para cargas, a não ser pequenas encomendas. Dada a precária situação da nossa infraestrurura, a obra tem escassa justificativa.
Parece haver muitos outros investimentos de retomo econômico e social mais elevado, que deveriam ser considerados prioritariameme, diz ele. Por exemplo, com 9,6 bilhões de reais seria possível solucionar o problema de abastecimento de água nas 256 cidades que concentram quase a metade da população do país.
Mendes desmonta todos os argumentos em favor do projeto. O próprio estudo de viabilidade encomendado pelo governo indica que 60% do tráfego de passageiros será no eixo São Paulo-Campinas-São José dos Campos. O trecho Rio-São Paulo ficará com apenas 18% das viagens.
Seria melhor, portanto, ligar inicialmente as três cidades paulistas com um trem rápido, mas de velocidade inferior e menor custo. A extensão para o Rio (onde são maiores os desa-. fios da engenharia e os custos) ficaria para uma segunda etapa. Esses e outros aspectos do estudo estão no endereço www.brasil-economia-govemo.org.br.
Os seguidos adiamentos do leilão para a concessão do trem-bala sinalizam a incompletude do projeto e prováveis dúvidas dos investidores. Diante de suas enormes incertezas, não será surpresa se ninguém se dispuser a assumir os inequívocos riscos do empreendimento.
Seríamos salvos não por um recuo, mas pela impossibilidade de encontrar quem se disponha a enfrentar o desconhecido que se esconde nas brumas do projeto.
O risco é que isso induza o governo a ampliar a oferta de dinheiro público para a obra e as garantias do Tesouro, buscando atrair interessados. O trem-bala pode justificar-se no futuro, depois de atendidas outras prioridades de investimento em infraestrutura, como a do transporte de massas.
Agora, parece um mero e caro capricho.
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