O cheiro de comida estragada não impede que Paulo da Silva, 21, descanse às 14h30 de uma segunda-feira num sofá velho do alojamento do lote 4 das obras da ferrovia Norte-Sul em Uruaçu, a 230 quilômetros de Brasília.
Meses atrás, naquele mesmo horário, Silva estaria entre os 700 trabalhadores que finalizavam o trecho da estrada de ferro que, depois de 27 anos de promessas, ligaria o Norte ao Sul do Brasil. Agora, ele é o único por ali. Todos os outros se foram, mas a ferrovia não ficou pronta.
Sem a Norte-Sul, o país perde R$ 12 bilhões ao ano entre cargas não transportadas, tributos não arrecadados, poluição pelo uso alternativo de caminhões e afins, segundo estudo da Valec, a estatal responsável pela ferrovia que, estima-se, já tenha consumido R$ 8 bilhões.
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Os bilhões de prejuízo de 2012 já estão na conta: o governo deixou vencer contratos com as empreiteiras e a obra não fica mais pronta em julho, como a presidente Dilma Rousseff anunciara.
Pela estrada
O alojamento do piauiense Silva, que veio para Goiás em 2010 no seu primeiro emprego, fica próximo à BR-080, a Belém-Brasília, por onde caminhões velhos transportam os últimos grãos da safra de 100 mil toneladas de soja da cidade, deixando cair parte deles ao longo do caminho.
Quando chegam ao destino, até 12% do que foi embarcado ficou pela estrada, diz Alarico Júnior, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais da cidade, decepcionado ao saber que mais uma promessa de inauguração da Norte-Sul não será cumprida, o que vai lhe custar caro.
“Lula falou duas vezes que ia inaugurar”, disse Júnior.
“Continuaremos pagando R$ 2 a mais por saca de soja para levar por caminhão até Anápolis para de lá ir para o Sul. De trem até o Maranhão, seria até 40% mais barato.”
Luiz Fayet, consultor da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), lembra que 46 milhões de toneladas de soja para exportação são produzidos acima do paralelo 16, onde começa esse trecho da Norte-Sul.
Quase toda essa soja desce de caminhão para o Sul quando poderia, via ferrovia, chegar aos portos do Norte, mais próximos da Ásia, destino final do produto. Isso faz o custo de frete no país ser até 300% maior que o de EUA e Argentina.
Ainda que a ferrovia ficasse pronta, não poderia carregar nada da região que corta. Isso porque nenhum dos quatro pátios para embarque das cargas está sequer iniciado.
Desperdício
Entre Palmas (TO) e Anápolis (GO), a obra está 95% concluída. Sem o término, barrancos caem ao longo da ferrovia, trilhos estão assoreados e com o mato crescendo.
Como a Valec deixou vencer os contratos com as empresas, uma nova licitação ou uma contratação de emergência terá que ser feita. Se isso não acontecer até o fim da temporada seca (que termina em outubro), a estimativa é que os complementos só fiquem prontos no fim de 2013.
A TV Folha também fez um vídeo sobre a ferrovia, assista abaixo:
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