*Ricardo Setti
A concorrência pública já foi adiada não sei quantas vezes, a data de entrada em operação já namorou com 2014, ano da Copa do Mundo, e depois com 2016, ano das Olimpíadas do Rio, e agora os responsáveis pela empreitada juram que, no lingínquo 2020, começará finalmente a transportar passageiros.
A ver.
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Para a esquálida, absurdamente insuficiente malha ferroviária brasileira, o caríssimo trem-bala – não me peçam para dizer quanto custará, porque os números já oscilaram tanto que prefiro não registrar mais as promessas oficiais – será mais ou menos como se o poder público, podendo optar entre construir milhares de casas populares ou uma versão tupiniquim do Palácio de Versalhes, preferisse investir no ouro, nos cristais, nas tapeçarias, nas obras de arte e nos fabulosos jardins da monarquia absolutista francesa.
E, daqui de meu posto de leigo, duvido solenemente dos anúncios de que o nosso trem-bala será rentável.
Apesar de bem administrada e contar com equipamento de primeira, é altamente deficitária a maior rede de trens de alta velocidade da Europa e a segunda mais extensa do mundo, depois da China – a do AVE da Espanha, com 2.600 quilômetros, 10 diferentes linhas em atividade e 14 em lenta construção, devido à crise econômica que abala o país desde 2008.
A tal ponto chega problema que, há algumas semanas, o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy se viu obrigado a fechar, pura e simplesmente, a linha que ligava Toledo, capital de Castilla-La Mancha, a Albacete, na mesma região – 260 quilômetros que custaram 3,5 bilhões de euros.
Para que se tenha uma ideia da dimensão do enrosco (tanto o espanhol como o nosso), é deficitária até mesmo a mais utilizada das linhas da rede espanhola – a concorrida ligação pelo AVE entre a capital, Madri, e a segunda maior cidade do país, Barcelona, com 657 quilômetros de extensão. Nesse trecho, o AVE leva 9 mil passageiros por quilômetro por ano, ao passo que a linha Tóquio-Osaka, no Japão, por exemplo, conduz 245 mil passageiros.
A passagem Madri-Barcelona pode custar caríssimo: conforme data e horário, até 300 euros, ou 825 reais.
Mesmo com esse preço salgado, a passagem é subsidiada em 66% pelo governo, segundo estudos de dois respeitados especialistas: Ginés de Rus, catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Las Palmas de Gran Canaria e Germà Bel, catedrático de Economia da Universidade de Barcelona.
Outros números: comparados com os 2,5 milhões de passageiros que usam o AVE Madri-Barcelona por ano, 14 milhões viajam de Paris a Tours pelo TGV francês no mesmo período, enquanto o trajeto Seul-Busan, na Coreia do Sul, transporta impressionantes 35 milhões de passageiros anuais.
*Ricardo Setti é colunista da Revista Veja
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