Artigo: O direito da infraestrutura

* Arnoldo Wald e Eduardo Sampaio


Poucas vezes, na história, tivemos que realizar o planejamento e a construção simultaneamente de tantas grandes obras de interesse público, sem que o Estado tivesse recursos amplos ou estivesse disposto a aceitar um aumento da inflação. A solução dada recentemente, tanto no Brasil, como no exterior, foi a parceria, sob as mais diversas formas, entre o poder público e o empresariado, que, todavia pressupõe um equilíbrio e um diálogo constante, que não estava na tradição do direito administrativo. Trata-se de um novo direito que necessita de maior previsão e do apoio de juristas e economistas, desde o nascimento dos projetos até o fim de sua execução.


O Brasil não pode mais adiar as suas grandes obras, nos mais diversos campos, desde as estradas de ferro e de rodagem, até os portos e os aeroportos. Por outro lado, não temos muito tempo para realizá-las, nem recursos públicos abundantes para tal fim. Ao mesmo tempo, o nosso país tornou-se um campo fecundo para tais investimentos, desde que mitigados certos riscos atualmente existentes, pois, há uma correlação direta entre segurança jurídica e apetite por investimentos de longo prazo, como na área de infraestrutura.


Efetivamente, enquanto na Europa e nos Estados Unidos, a infraestrutura já existente só necessita de aprimoramento ou complementações, no Brasil é imperativa a construção, ou a reconstrução, da totalidade de um sistema, que ou não existe com a necessária eficiência, ou tornou-se obsoleto, quando não sofreu um verdadeiro sucateamento, como ocorreu com as nossas estradas de ferro. Assim, o milagre realizado, com as concessões, no campo das telecomunicações, pode também ser repetido em relação a todos os meios de transporte. Modificar-se-á, assim, profundamente a nossa economia, permitindo não só o desenvolvimento da indústria, do comércio e da agricultura como também uma melhor qualidade de vida para toda a população.


Temos, pois, todos os elementos para chegar ao desenvolvimento sustentável em virtude dos novos investimentos, da melhor utilização do progresso tecnológico e do fortalecimento das instituições, mas, exige maior criatividade da iniciativa privada e flexibilidade do poder público, especialmente numa época totalmente dominada pela incerteza e pela imprevisibilidade.


Os mecanismos econômicos e jurídicos do passado se tornaram, em grande parte, ultrapassados. Na economia, não bastam mais as estatísticas do passado para prever o fluxo de caixa futuro, que nenhuma relação pode ter com o que já ocorreu em outros tempos. Em direito, alguns conceitos devem ser relativizados e o jurista necessita encontrar soluções que, além de justas, sejam eficazes. Um neopragmatismo ético está pois inspirando o direito, na elaboração do qual devem colaborar, em parceria, economistas e juristas, trazendo não só a sua experiência e conhecimentos, mas também a sua flexibilidade e criatividade.


Esse novo direito empresarial administrativo, que estamos construindo, com elementos do direito comercial, econômico e administrativo e da economia, é indispensável nos grandes projetos de infraestrutura. Efetivamente, pelas suas dimensões, pela sua duração e, algumas vezes, até pela situação geográfica, como é o caso do pré-sal e da Amazonia, são muito mais imprevisíveis do que os contratos comuns. Exigem a elaboração de novas fórmulas e ferramentas que não existiam no passado. A complexidade da vida moderna não se contenta mais, com os conceitos tradicionais. Assim, temos no mundo dos negócios, um conjunto de contratos de cooperação e de caráter atípico, que pressupõem o uso de instrumentos mais hábeis, eficazes e rápidos, para fazer os sucessivos acertamentos que a prática e a ética podem impor.


Quando se pensa nas grandes hidrelétricas, nos aeroportos gigantescos ou no trem-bala, os modelos tradicionais pré-estabelecidos, ou seja, a roupa feita, não podem mais ser adotados integralmente. Novos conceitos e técnicas e modificações dos sistemas, se impõe desde antes da licitação, no curso do contrato e até a sua finalização, para evitar a sua paralisação ou inviabilidade e os litígios judiciais decorrentes. Urge produzir-se um novo arcabouço para estes investimentos.


O direito e a prática já estão admitindo, hoje, mecanismos importantes e fecundos, como a manifestação de interesse dos empresários, que já apresentam um planejamento prévio para a obra, que podem realizar e que tem funcionado na área estadual, nas PPP e nos demais contratos administrativos. Começamos a aceitar a criação de um dispute board para resolver as divergências e, por outro lado, a arbitragem foi consagrada recentemente, com maior alcance nas cláusulas contratuais, nos contratos administrativos.


Há, na realidade, uma série de riscos cuja ocorrência deve ser prevista e ou o modo de resolução há de ser previamente estabelecido, quer se trata dos riscos legislativo, regulamentar, judicial ou financeiro. A verdade é que deve haver uma verdadeira “engenharia jurídica e econômica”, organizada por profissionais, juristas e consultores, que devem acompanhar a obra desde a sua concepção. Surge, assim, uma nova disciplina: o direito da infraestrutura, fruto do diálogo entre o Estado e a iniciativa privada.


*Arnoldo Wald e Eduardo Sampaio são, respectivamente, advogado, professor catedrático da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); economista e presidente do FTI Consulting no Brasil.

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