CSN desafia Techint com ação bilionária

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) quer provar na Justiça comum que houve troca de controle societário mais mudança de comando na Usiminas com a entrada do grupo ítalo-argentino Techint /Ternium no capital da empresa em janeiro de 2012.


Por considerar que não há caso precedente julgado no país, a empresa buscou esse caminho, e não o da apreciação do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para que se obrigue o novo acionista a realizar uma oferta pública de compra de ações (OPA) dos minoritários ordinaristas. Caso alcance sucesso, a CSN, bem como outros acionistas, teria direito a receber 80% do valor de R$ 36 – o chamado “tag along” – que foi pago por ação por Techint/Ternium. O grupo comprou a totalidade dos papéis de Votorantim e Camargo Corrêa e pequena fatia do Clube dos Empregados da Usiminas, o CEU.


O Valor teve acesso ao processo, que foi ajuizado em 5 de novembro no fórum da cidade de São Caetano do Sul (SP), na Grande São Paulo. Na peça processual, a CSN sustenta sua convicção de mudança de controle na Usiminas em dois pontos-chave. Primeiro, o sobrepreço pago pelas ações, um ágio de 89,5%, na comparação com valor em bolsa em 28 de novembro de 2011, data do anúncio do negócio. O outro são as mudanças, que qualifica de substanciais, no novo acordo de acionistas firmado, alegando que foram dados “poderes incomparavelmente mais amplos” à Techint/Ternium do que os que possuíam Votorantim e Camargo.


A escolha de São Caetano do Sul não foi à toa: a cidade é o endereço-sede de uma das empresas da Techint arroladas na ação, a Confab Industrial, que adquiriu 5% dos papéis ON da Usiminas na operação. As outras três processadas pela CSN são Ternium (Luxemburgo), Siderar (Buenos Aires) e Prosid, de Montevidéu (Uruguai). Ao todo, elas adquiriram 27,7% do capital ordinário da Usiminas, pagando R$ 5 bilhões.


A CSN e duas empresas controladas – CSN Cimentos e Florestal Nacional – mais o Diplic, um fundo de investimento multimercado, informam que eram donos, no momento da entrada do grupo Techint, de 60.486.900 ações ordinárias da Usiminas. Compradas ao longo de 2010 e 2011, correspondiam a 12% do capital ordinário da siderúrgica mineira.


O embate envolve uma soma de dinheiro considerável – são vários bilhões de reais. Caso sejam obrigadas a realizar a OPA, as empresas da Techint terão de desembolsar, pelos 36,14% dos minoritários, R$ 5,26 bilhões ao valor de R$ 28,80 por ação. A CSN teria a receber mais de R$ 1,7 bilhão. Hoje, pelo valor contábil da ação registrado pela empresa, sua participação vale R$ 698,8 milhões. O fundo de pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), que tem 10,4%, seria também beneficiado.


Em outubro, a CSN ainda tentou um “acordo amigável” com o grupo Techint. Informa que depois de analisar todos os fatos, concitou suas integrantes s promover a oferta pública. Mas, no dia 15 daquele mês, recebeu uma genérica resposta, de que não teria havido alienação de controle.


A ação ajuizada pela companhia do empresário Benjamin Steinbruch refuta o parecer da área técnica da CVM, de 02 de fevereiro de 2012, feito duas semanas após a conclusão do negócio. No documento, baseado em questionamentos feitos à Usiminas e ao grupo Techint/Ternium, e nas informações recebidas de ambos, declarou que a operação não configurava uma troca de controle. A empresa e os seus novos donos obtiveram pareceres de renomados especialistas de direito societário, como Luiz Cantidiano, Nelson Eizirick e Marcus de Freitas Henriques e do escritório Mattos Filho. Todos foram unânimes em negar a mudança de controle na empresa.


A CVM concluiu “pelo não ensejo da OPA por alienação de controle de Usiminas”, conforme trata o artigo 254-A da lei das Sociedades por Ação. A autarquia propôs o arquivamento do caso, porém deixou uma porta aberta para retomá-lo, caso houvesse alguma motivação futura para isso.


Já a CSN, com pareceres de dois catedráticos do direito societário – Calixto Salomão Filho e Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França -, argumentou na ação que se tratou de uma “decisão precária e apressada” da autarquia do mercado de capitais. Alega que a CVM não se atentou para o elevado ágio pago, bem como não fez a comparação dos dois acordos de acionistas – o anterior, de 2006, e o novo, de 17 de janeiro de 2012.


Além do ágio de quase 90%, que só se justificaria em operações de tomada de controle, a CSN aponta como fundamental o novo equilíbrio de poder dentro da Usiminas. Na ação, diz que os poderes do CEU foram totalmente esvaziados. Esse acionista, que era uma espécie de fiel da balança nas decisões estratégicas, podia vetar resoluções como indicação de diretor-presidente da empresa, investimentos estratégicos e alianças comerciais e tecnológicas da Usiminas.


Essas decisões, informa, eram tomadas nas chamadas “resoluções especiais”, que exigiam 85% das ações vinculadas ao acordo de acionistas. O CEU tinha quase 16%. Com esse percentual, também era o fiel da balança nas “resoluções ordinárias”, onde eram necessários 50% de voto. Os grupos majoritários, Nippon e V/C, tinham pouco mais de 40% cada um.


No novo acordo, informa o processo, as decisões estratégicas foram transferidas para as reuniões prévias (resoluções ordinárias) e o quórum requer 65% de ações vinculadas. Como o CEU passou a ter 10,57% com a venda de parte de suas ações para Techint e Nippon, não está mais apto a vetar qualquer matéria proposta pelos dois acionistas majoritários. E a Techint passou a ter poder de vetar qualquer decisão na empresa, prerrogativa que não dispunha o grupo V/C.


Para a CSN, não ocorreu uma simples adesão das empresas Techint ao acordo existente, como no caso da VCP, fabricante de papel que comprou a parte da Mondi no capital da Aracruz dez anos atrás. No caso da Usiminas, ressalta, “mudaram o coração do acordo de acionistas”. A avaliação é que se criou um “controle indireto”, realizado com vetos em todas as decisões na empresa.


A CSN afirma que a Usiminas, desde então, perdeu sua identidade de empresa independente e passou a ser tratada dentro da estratégia da Ternium. Diz que dois pontos revelam a influência do novo controlador: a indicação do novo presidente, Julian Eguren (que presidia a Ternium), e do diretor-executivo, Paolo Bassetti, antes responsável pela Ternium Brasil. Até então, informa, o acordo de acionistas previa que apenas a Nippon podia indicar um diretor. Todos os demais eram oriundos do mercado e que os presidentes não tinham vínculo com nenhum dos acionistas controladores. Caso dos três presidentes anteriores: Rinaldo Campos Soares, Marco Antônio Castello Branco e Wilson Brumer.


A Ternium, que controla a Siderar, e a fabricante de tubos Tenaris, dona da Confab, disseram por meio de comunicado que “as reclamações da CSN carecem de fundamento e mérito”. E se baseiam nas várias opiniões de advogados brasileiros e na decisão prévia da CVM. E prometem se defender “vigorosamente”. O grupo informa, ainda, que, no caso de se exigir uma oferta, ela deverá ser realizada por 182,6 milhões de ações ON da Usiminas – 82,1% por Ternium e Siderar e 17,9% por TenarisConfab.


O ex-presidente da CVM Luiz Leonardo Cantidiano, que fez o parecer para Usiminas, disse ao Valor que o alto ágio na aquisição e a alteração das regras do acordo de acionistas não representam alienação de controle, originando uma OPA. “O que a Lei das S.A. regula para uma oferta pública é algo muito simples: a saída de um controlador que dá espaço para a entrada de outro em seu lugar”.


Para Cantidiano, nada do que foi alegado na ação da CSN leva à exigência de uma OPA. No caso da Usiminas, destacou, o que houve foi uma reestruturação do grupo de acionistas controladores sem significar venda do controle. A visão é totalmente contestada pelos advogados e pareceristas da CSN.


Pessoa próxima da Techint diz que a ação da CSN não traz preocupação.

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