Temer e Putin manifestam convergências convenientes

O presente foi escolhido a dedo. Uma coleção de cinco cartas
do imperador Pedro II para o tsar Nicolau II, o último da dinastia dos Romanov
a ser eliminado pelos bolcheviques. O regalo do presidente da Rússia, Vladimir
Putin, para o presidente Michel Temer veio acompanhado de um pedigree. As
cartas estavam nos Estados Unidos. A Rússia as comprou de volta e agora
presenteava o Brasil com um pedaço de sua história.

Não foi o único presente de Putin. Temer retornará na sexta
feira ao Brasil com uma caixa de lenços que o presidente russo ofereceu à
primeira-dama, Marcela. O esmero não se resumiu aos regalos. No último dia de
sua visita à Rússia, Michel Temer ouviu de Putin todas as promessas de
investimento que almejava. Se o presidente brasileiro buscava um alento
internacional para sua delicada conjuntura interna, encontrou na Rússia um
parceiro ideal.

O país de Vladimir Putin se debate com sanções comerciais
dos Estados Unidos contra sua ofensiva pela Crimeia. No encontro de Temer com
Dmitri Medvedev, o primeiro-ministro russo chegou a citar, explicitamente, a
necessidade de seu país buscar aliados contra o bloqueio americano. A Rússia
procura parceiros que sinalizem abertura para a União Euroasiática. E tem
empresas pujantes em energia e infraestrutura.

A soma de todos os fatores bastou para que Goa se
transformasse em um ponto perdido no mapa dos Brics. Foi lá que, em outubro do
ano passado, o presidente brasileiro acabou esnobado por um Putin que, logo
depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, se recusou a recebê-lo.

Foi assim que uma visita anunciada de última hora, a
despeito de responder a um convite russo, rendeu um supreendente pronunciamento
de Putin em relação ao interesse de suas estatais no Brasil e uma declaração
conjunta dos dois países de contundente crítica à pauta do presidente
americano, Donald Trump.

Putin e Temer reiteraram compromisso com o Acordo de Paris
de combate às mudanças do clima, alvejado por Trump, e manifestaram rechaço à
imposição unilateral de medidas coercitivas e sanções econômicas sem base no
direito internacional. Concordaram na ênfase ao multilateralismo frente à
tradição unilateral da política americana e convergiram tanto na defesa do
Estado palestino quanto na condenação dos assentamentos israelenses ilegais.

O Brasil sinalizou positivamente à iniciativa entre Rússia e
China em torno de um tratado pela prevenção de armas espaciais e se comprometeu
a examinar as possibilidades da construção de novas usinas
nucleares no Brasil, projeto de interesse russo. Os dois países defenderam que
a solução para a Síria, a ser mediada pela ONU, preserve a independência,
integridade e soberania daquele país, discurso que converge com a
liderança russa naquele canto do planeta.

Em contraposição, a Rússia reiterou seu apoio ao Brasil como
forte e merecedor candidato a membro permanente de um Conselho de
Segurança da ONU e acatou, em meio a acusações de protagonismo na guerra
virtual de informações, uma redação da declaração conjunta que sugere a adoção,
pela comunidade internacional, de conduta responsável dos países no
uso das tecnologias da informação e da comunicação.

O gesto mais concreto dessa aproximação, no entanto, veio
com o pronunciamento que precedeu a declaração conjunta. Putin adornou a
parceria-chave com o Brasil, o primeiro com o qual a Rússia
estabeleceu relações na América Latina, há 190 anos, para avançar
na pauta comercial.

Mencionou o interesse de duas estatais russas, a Rosneft e a
Gazprom, em participar da modernização da infraestrutura brasileira. Lembrou o
potencial de ampliação do parque hidrelétrico no país, no qual a Rússia já
participa como fornecedora de turbinas para cinco usinas, e a ferrovia
Norte-Sul.

Citou ainda a possibilidade de lançamento conjunto de
satélite em Alcântara, além de uma base partilhada para o monitoramento de
detritos espaciais. Falou ainda, com otimismo, sobre o fornecimento de urânio
para usinas brasileiras. Pela manhã, o primeiro-ministro Medvedev, em encontro
fechado à imprensa, tinha sugerido ao presidente brasileiro que o comércio
bilateral deixe de ser mediado pelo dólar e passe a ser feito nas moedas dos
dois países.

Temer pareceu surpreendido pela ofensiva russa. Depois de
passar toda a visita pedindo investimentos e parcerias, limitou-se, durante seu
pronunciamento, a citar Dostoiévski, Balé Bolshoi e a expectativa de uma final
entre Rússia e Brasil na Copa de 2018. De concreto, citou a expectativa de o
Brasil, ao assumir a presidência do Mercosul em julho aprofundar as relações
com a União Euroasiática.

A única referência, indireta, à crise brasileira, veio na
comemoração de Temer com o recuo da inflação, bem como da taxa de juros:
Paulatina e responsavelmente, logo teremos juro de um dígito.
Estava determinado a mostrar controle sobre a estabilidade da economia frente a
um mercado que duvida de seu futuro, quando, sem combinar, apareceram os
russos.

 

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