Com obras que estão paradas há quase três anos e meio, a
estação do metrô da Gávea deveria ter ficado pronta para os Jogos de 2016, mas
hoje não passa de um gigantesco buraco, localizado em um terreno cercado por
tapumes no estacionamento da Pontifícia Universidade Católica (PUC). Agora, o
local, projetado para ter a plataforma mais profunda do sistema, a 55 metros
abaixo do nível da terra, está prestes a ganhar um destino bem diferente do que
foi imaginado.
Em vez de receber 19 mil passageiros por dia, como era
esperado, começa a ser transformado em um reservatório que acumulará 36 milhões
de litros de água, volume suficiente para encher 13 piscinas olímpicas. E ficará
assim, inundado, até que a construção seja retomada, algo sem qualquer previsão
de acontecer.
Trata-se de uma medida de precaução, que tem como objetivo
afastar a possibilidade de danos estruturais em prédios do entorno, inclusive o
da PUC. Das seis estações previstas no projeto da Linha 4, que começou a ser
implantado em 2010 e no qual já foram gastos mais de R$ 10 bilhões, a da Gávea
é a única inacabada. A decisão de submergir o canteiro de obras foi tomada pelo
governo do estado.
Em 8 de agosto do ano passado, as bombas de sucção que
impediam que as águas de um lençol freático entrassem no buraco foram
desligadas. A medida seguiu recomendações de um laudo técnico encomendado pela
concessionária Rio Barra (responsável por executar o projeto em uma parceria
público-privada). Os técnicos que elaboraram o documento avaliaram, entre
outros pontos, o risco de manter a obra inacabada.
APARELHOS DETECTAM MOVIMENTOS
Vinte meses após a paralisação das obras (em fevereiro de
2015), análises de leituras de tassômetros — equipamentos que registram
movimentos do solo —, indicaram a existência de pequenos deslocamentos de terra
na área, sem comprometimentos estruturais. O fenômeno acontecia sob os terrenos
onde ficam o Instituto Gênesis da PUC e o VI Juizado Especial Cível do Tribunal
de Justiça, ambos na Avenida Padre Leonel Franca. Nesse cenário, o laudo
técnico sugeriu uma inundação do buraco para restabelecimento da chamada
pressão homeostática, o que impede deslocamentos do solo.
No entanto, a solução encontrada tem caráter provisório. Se
a obra não for retomada em cinco anos, o buraco terá que ser esvaziado para uma
nova avaliação técnica das condições dos terrenos do entorno e da integridade
estrutural das obras já realizadas. O relatório conclui que não há risco
imediato, mas orientou que a escavação fosse alagada e que houvesse
monitoramento diário da área por meio de tassômetros, assim como análises
periódicas do solo. O laudo também recomenda o uso de mecanismos de vedação,
para evitar a proliferação de mosquitos, e a elaboração de um plano de
contingência para eventuais indícios de abalo em estruturas vizinhas.
ESPECIALISTAS APROVAM MEDIDA
Na avaliação de engenheiros e geólogos ouvidos pelo GLOBO, a
medida tomada pelo estado foi acertada. Em escavações para obras metroviárias,
normalmente são feitos rebaixamentos de lençóis freáticos. Operários e máquinas
trabalham em um espaço mantido seco graças a bombas de sucção, mas este
processo provoca um fenômeno conhecido como desequilíbrio homeostático. A pressão
da água, ao ser impedida de circular no trecho escavado, pode levar a recalques
(deslocamentos de terra) em áreas vizinhas.
— Não dá para afirmar que haveria problemas com os prédios
da região se o canteiro de obras não fosse alagado. Seria um exercício de
futurologia. Foi uma atitude preventiva. Deslocamentos do solo podem ocorrer em
obras abandonadas. Essa é uma das hipóteses para o acidente que ocorreu
recentemente em Petrópolis, na construção paralisada de um túnel que integra o
projeto da Nova Subida da Serra — explica o coordenador da Câmara Técnica do
Conselho Regional de Engenharia do Rio de Janeiro(Crea-RJ), Jorge Mattos.
NEM METADE ESTÁ CONCLUÍDA
A medida de inundar o espaço onde vinha sendo construída a
estação da Gávea poderia ter sido evitada se as obras estivessem em estágio
mais avançado. Como apenas 48% dos serviços previstos foram executados, o local
ficou longe de receber sua impermeabilização definitiva. A fase atual da obra é
conhecida tecnicamente como estágio primário.
— Se a estação tivesse pronta, seria possível suspender o
bombeamento da água, pois a impermeabilização evitaria o alagamento do espaço
que seria destinado a usuários do metrô e reduziria as tensões nos terrenos
vizinhos. Esse recurso que está sendo empregado no Rio já foi usado em
canteiros de obras de outros projetos de metrô pelo mundo, inclusive com obras
em andamento. Foi adotado, por exemplo, em Oslo, na Noruega, para conter
recalques em áreas próximas ao canteiro — diz o professor de Engenharia
Geotécnica da Coppe/URFJ Maurício Ehrlich.
O professor acrescentou que o alagamento ajudará a conter o
processo de corrosão das estruturas já implantadas, pois diminui a exposição de
peças metálicas ao ar. No entanto, isso não resolve completamente essa
situação.
— O nível de água tende a oscilar. As partes mais altas
acabam expostas ao ar e a corrosão — frisa Ehrlich.
O presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino,
observa que, do ponto de vista geológico, os riscos na Gávea são bem menores
que em outros pontos da obra na Zona Sul. Em alguns trechos da Linha 4, a
grande máquina conhecida como Tatuzão chegou a perfurar trechos arenosos. Em
2014, durante os trabalhos em Ipanema, surgiram duas crateras na Rua Barão da
Torre, o que causou apreensão entre muitos moradores.
Mesmo com a convicção de que os deslocamentos de terra não
são um problema imediato, o governo estadual os utilizou como argumento para
tentar convencer, na semana passada, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) a
permitir o uso de recursos públicos para a retomada do projeto. Dias antes de a
solicitação ter sido aprovada pelo órgão, o governador Luiz Fernando Pezão a
justificou, em uma entrevista ao GLOBO:
— Temos que retomar as obras. Estou mostrando ao TCE o
perigo daquilo ali parado, perto do canteiro existe a PUC. Não quero causar
qualquer temor, mas viu o que aconteceu na Rio-Petrópolis?
Os repasses para a obra foram suspensos no ano passado,
depois que o TCE encontrou indícios de sobrepreço e superfaturamento. A
retomada de pagamentos acabou sendo autorizada, mas o estado deve cumprir uma
série de exigências. A estimativa do Palácio Guanabara é que ainda sejam
necessários cerca de R$ 700 milhões para concluir a construção da estação do
metrô da Gávea. O estado, no entanto, ainda não sabe de onde viriam esses
recursos.
Na sessão do TCE, o procurador-geral do estado em exercício,
Fernando Barbalho, defendeu argumentos semelhantes ao do governador. O
tribunal, no entanto, ressaltou que não identificava risco imediato de
problemas na obra. Por discordar da decisão, o Ministério Público entrou na
Justiça para tentar suspendê-la.
Antes de começarem a ser inundadas, as instalações de
sustentação provisórias do canteiro de obras passaram por reforços estruturais,
sob a responsabilidade da concessionária da Linha 4 do metrô, a Rio Barra. Ela
e o governo do estado têm divergências em relação ao custo de manutenção dos
canteiros parados, incluindo o tatuzão. Em março do ano passado, com base em
informações do contrato de obras, O GLOBO estimou que a despesa chegaria a R$
34 milhões por mês. Por enquanto, a concessionária tem pago a conta, mas quer
repassar a despesa para o poder público.
Procuradas para comentar a decisão do estado de inundar o
buraco, a PUC e a Rio Barra preferiram não se manifestar. Por sua vez, a Secretaria
estadual de Transportes informa que 90% da área das escavações já foi tomada
pela água. A previsão é que o buraco esteja cheio nos próximos dias. O titular
da pasta, Rodrigo Vieira, destaca que o Tatuzão se encontra estacionado em um
local seco, nas proximidades da Rua Igarapava, distante da área alagada. Ele
ressalta ainda que alagar o local da construção foi uma atitude preventiva:
— Não há comunicação entre o trecho em obras e o restante da
Linha 4. Inclusive, a escavação sequer foi concluída. Quando as obras pararam,
estavam a 32 metros do nível do solo.
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