É bem
conhecido o fato de que a matriz de transportes no país apresenta distorção
frente às características territoriais do Brasil: tem viés fortemente
rodoviário, ao tempo que modais para os quais o transporte de longa distância é
mais adequado – ferrovias, hidrovias, cabotagem – não foram objeto de políticas
públicas senão de forma ad hoc. É igualmente verdade que a ineficiência da
matriz, que se traduz em elevados custos logísticos, é também fruto de subinvestimento
em todos os modais, inclusive em rodovias. Esta é a síntese do problema de
infraestrutura no país: há de se investir mais e melhor, isto é, mobilizar mais
recursos, e melhorar sua alocação.
O quadro
acima retrata o desafio para os próximos anos, com os maiores hiatos onde estão
os maiores retornos sociais: transportes (inclusive mobilidade urbana) e
saneamento. Como superá-los com parcos investimentos públicos por conta das
restrições fiscais? Deve-se ampliar no limite a participação do setor privado.
Por isso é essencial melhorar o ambiente de negócios no país e a governança do
investimento: a qualidade do planejamento de médio e longo prazo; o grau ainda
elevado de insegurança jurídica e imprevisibilidade regulatória, neste caso
ainda à espera da aprovação da Lei das Agências; e a própria institucionalidade
dos projetos, que foi impulsionada mais recentemente pelo PPI, que deve ser
preservado.
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Igualmente
importante é reduzir a carga regulatória, pesada e de modo geral ineficiente.
Em infraestrutura, o regime dominante é o de concessão, tipicamente sob a
supervisão de uma agência. Mas há alternativas superiores na presença de
competição potencial – o regime de autorização, já praticado parcialmente no
caso de portos e em telecomunicações. Em portos, a introdução desse regime
estimulou novos investimentos fora dos portos organizados; agora é hora de
privatizar as companhias Docas e dar maior agilidade aos terminais que operam
nos seus perímetros. Em telecomunicações já estamos atrasados: não há por que as
operadoras permanecerem no regime de concessão e há espaço para
“trocar” a mudança de regime com ampliação de investimentos, por
exemplo, na universalização da banda larga.
No caso das
ferrovias, as concessões são a regra. Impulsionar os investimentos nos próximos
2-3 anos irá depender de três movimentos distintos: antecipar a prorrogação das
concessões sob regras claras e vinculantes de direito de passagem e
investimentos de contrapartida; levar adiante as concessões previstas no PPI –
primeiramente o tramo Sul da Norte-Sul; e introduzir o regime de autorização
com liberdade de precificação para a implantação ou reativação de novas
ferrovias.
Que
ferrovias seriam essas? Nos EUA, elas se denominam “shortlines”, que
operam em caráter privado e com maior liberdade regulatória, após o Staggers
Rail Act de 1980, que viabilizou um surto de investimentos, com ganhos de
produtividade e redução de tarifas. A importância dessa alternativa se denota
pelos resultados: em 2018 nada menos do que 603 “shortlines” estavam
em operação, com extensão de 47,5 mil milhas ou 29% do total da malha, sendo
responsáveis por 24% dos investimentos do setor. Um em cada 5 vagões nos EUA
são movidos por shortlines, servindo cerca de 10 mil clientes e auferindo
receitas de US$ 4,64 bilhões.
Por que não
replicar aqui a experiência dos EUA? Afinal há no país 8,6 mil km de ferrovias
não utilizados (30,6% da extensão total), sendo 6,5 mil km sem condições
operacionais, que poderiam ser modernizados nesse modelo. Há ainda grande
potencial de novos trechos ferroviários conectando centros de carga com portos
e outros modais de transporte. Já há um projeto de lei inovador (PLS 261), do
senador José Serra, que prevê o novo regime de autorização em ferrovias.
Na presença
de competição potencial, o regime de autorização é uma alternativa superior ao
de concessão.
Um ponto
central para o bom funcionamento do mecanismo estará na disciplina jurídica que
combine a desativação/devolução de trechos pelas concessionárias e sua assunção
por autorizatários para a criação de shortlines. Hoje, além de não haver
previsão legal para o transporte privado de cargas associado à exploração da
infraestrutura ferroviária, a desativação de trechos depende de autorização
expressa do poder concedente, diante das repercussões que pode causar nos
contratos de concessão. O PLS não trata do tema.
Será
preciso, assim, arquitetar um arranjo harmonizando com mais clareza as ações de
desativação de trecho concedido/implantação de shortline autorizada. O PLS
deveria, também, definir qual o fator que divisa a utilização dos regimes de
concessão e autorização para as ferrovias. Nos EUA, onde todas as ferrovias são
privadas, pautadas em propriedade, o enquadramento se dá por faturamento. Nos
portos brasileiros, dá-se por localização geográfica (dentro ou fora da
poligonal do porto organizado).
Do ponto de
vista econômico, as shortlines devem ser estimuladas, pois levam a
investimentos eficientes, em trechos abandonados ou subutilizados, e que na
maior parte dos casos competem com rodovias em más condições ou outros modais.
Não sendo um monopólio natural, as shortlines devem ter liberdade de
investimento, operação, venda de serviços e precificação. Esperamos que o PLS
(ou um substituto) tenha rápida tramitação, pois é do interesse público.
Cláudio
Frischtak é do International Growth Center (London School of Economics) e
Inter.B Consultoria
Leonardo
Coelho Ribeiro é professor convidado da FGV e sócio de LL Advogados.
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