Uma das obras mais discutíveis, entravadas e onerosas do governo paulista é o conhecido monotrilho. Construído sobre a Avenida Jornalista Roberto Marinho, também conhecida como Avenida das Águas Espraiadas, ligará o Aeroporto de Congonhas e o Jabaquara à região do Morumbi.
Projetado para entrar em funcionamento na Copa do Mundo de 2014, por erro de planejamento, incompetência dos construtores, falta de dinheiro ou perversa conspiração dos três fatores, ignora-se quando será inaugurado. Para os moradores da região o monotrilho deixou de ser o sonho do transporte rápido e eficiente para se converter em terrível fonte de problemas e de aborrecimentos.
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Sob a construção, às margens de pestilento córrego, verdadeiro esgoto a céu aberto, abrigam-se famílias de moradores de rua, marginais e drogados, em permanente abandono. É comum encontrá-los revolvendo caçambas e sacos de lixo à procura de algo aproveitável. Alguns assumem atitude agressiva, para amedrontar quem caminha pelas imediações. O que fazer? Ninguém responde. São fotografias em branco e preto da infinita miséria que assola os subterrâneos ocultos da sociedade.
É frequente observá-los puxando carriola onde recolhem jornais velhos, latinhas de alumínio, pedaços de plástico e de papelão, garrafas e vidros, para entregá-los em depósitos de material reciclável a preços vis. Quase sempre se fazem acompanhar da mulher, de filhos de colo ou de tenra idade e do inseparável vira-lata. É possível avistá-los nas imediações da Avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, na Rua Padre Antônio José dos Santos e outras vias públicas do Campo Belo e do Brooklin Novo. Do alto os futuros passageiros terão privilegiada visão das favelas situadas de ambos os lados do monotrilho. Em apertados barracos, de um, dois e até três improvisados pavimentos, convivem casais jovens, rapazes desocupados, adolescentes grávidas, senhores idosos e velhas senhoras. No cruzamento com a Avenida Washington Luís são comercializados trouxinhas de maconha, pedras de crack e outros entorpecentes. O local, explorado por marginais, recebe o vulgar apelido de drive-thru.
O monotrilho, cuja construção foi iniciada pelo ex-governador Geraldo Alckmin, é símbolo megalomaníaco de vaidade. É impossível saber qual o custo final. Imagino, porém, que um século não bastará para recuperar o dinheiro público investido. Se um dia entrar em operação, a quem caberá explorá-lo? Ao Estado? À iniciativa privada? Qual será o preço do bilhete? Quantos passageiros comportará? A que velocidade trafegarão em segurança as composições? São perguntas que o povo pode fazer, porque lhe dizem respeito.
Ordena o artigo 30, V, da Constituição de 1988 que compete aos municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o transporte coletivo, que tem caráter essencial”. A autoridade do texto não impediu, entretanto, o governo do Estado de ignorá-lo e investir em obra que deveria ser municipal, com recursos subtraídos à educação, à saúde, à manutenção de presídios, à malha rodoviária, à urbanização, à assistência social, às moradias populares.
O governador João Doria assumiu a chefia do Poder Executivo do Estado com poucos recursos, mas pleno de energia e de promessas. Esbanja autoconfiança e elevado nível de entusiasmo. Declara-se pronto e preparado para resolver velhos problemas. Alude à necessidade da conclusão do metrô, do Rodoanel e se propõe construir o Ferroanel em torno da capital e ferrovia de alta velocidade para ligar São Paulo ao interior, por Campinas, Americana, Limeira. Talvez pretenda ressuscitar a extinta Cia. Paulista de Estradas de Ferro, antigo orgulho dos paulistas. Referiu-se a obras inacabadas. Não me recordo de haver feito alusão ao monotrilho. Acredito, porém, que conheça o problema e não lhe subestime a urgência e a gravidade.
Como profissional da área de comunicação, o governador sabe usar a imagem e as palavras. Periga, entretanto, incorrer no equívoco de tomar o discurso pela obra. Os desafios não se reduzem às questões de transporte público. Há problemas imediatos e urgentes em outras áreas. A sociedade é organismo vivo, delicado, sensível. Não deve ser encarada como massa indefesa e inerte. Aumentos de impostos e de taxas, encarecimento de bilhetes ferroviários, metroviários ou de ônibus são inviáveis nas atuais circunstâncias. Os baixos salários, o desemprego e o subemprego fazem vítimas entre muitos milhões de trabalhadores, condenados à ociosidade ou à incerteza das vendas ambulantes.
Autonomeando-me porta-voz do Brooklin e do Campo Belo, espero que o governador João Doria volte os olhos para o monotrilho, acelere as obras e ponha os comboios em circulação. Não deixe, também, de olhar para a penúria em que vivem as famílias faveladas. Centenas de milhões estão enterrados sob a avenida, outros tantos acima e muitos serão consumidos para a compra de equipamentos. Preocupa parcela do povo paulista o fato de o governador não esconder a pretensão de se eleger presidente da República em 2022. Para fazê-lo seguirá o exemplo do senador José Serra, que renunciou à Prefeitura para se candidatar a governador e renunciou ao governo para disputar a Presidência – e ser derrotado por Lula?
Durante décadas vivemos sob falsa República, gerida pela bandalheira e pelo abuso de poder. Como diria Machado de Assis, a vulgaridade tornara-se título e a mediocridade, brasão. As eleições de outubro foram decididas pela indignação e pelo desejo de restauração da moralidade. Ao presidente Jair Bolsonaro e ao governador João Doria cabe, agora, corresponder à confiança do eleitorado.
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