A desestatização do Porto de Santos é vista com euforia pelo setor privado, mas as preocupações iniciais sobre o processo já começam a aparecer, segundo companhias e especialistas do setor, que falaram com a reportagem sob condição de anonimato. Entre as questões, estão dúvidas sobre conflitos de interesse, passivos ambientais e resistências internas que poderão dificultar a conclusão do processo até 2022.
O primeiro questionamento começou já com a seleção do consórcio que fará os estudos de modelagem. O grupo vencedor da concorrência, promovida pelo BNDES, é liderado pela DTA Engenharia, que hoje faz a dragagem no porto. A escolha foi vista por alguns com desconfiança, já que o serviço, que é bastante rentável, deve entrar no pacote da desestatização – ou seja, a companhia poderia ter algum conflito de interesse na modelagem.
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Para um executivo, esse receio existe, mas é secundário: caso o conflito se materialize, há diversos órgãos de controle a quem as companhias poderão recorrer.
Entre empresas, há duas preocupações que se destacam: a possibilidade de aumento de tarifas e o temor de conflitos de interesse entre a nova companhia docas e os grupos que operam, direta ou indiretamente, no porto.
É consenso que, independentemente de qual for o modelo de desestatização, devem existir cláusulas de barreira para os atuais operadores do porto e grandes grupos de navegação.
A percepção é que essa já é uma preocupação do governo, até porque o tema apareceu na desestatização da Companhia Docas do Espírito Santo – apontada como um ensaio de menor porte para o processo em São Paulo.
Ainda assim, a questão deverá ser um dos grandes pontos de atenção, não só em relação a quem assumirá a SPA (Santos Port Authority), mas também quanto ao nível de independência que o órgão terá perante o governo – por exemplo, na composição do conselho de administração – e à agência reguladora.
Um possível aumento das tarifas cobradas pela companhia docas também é uma preocupação para alguns. Para uma fonte, a avaliação inicial é que, sem taxas mais caras, a conta não fecha, considerando que o novo controlador terá que fazer investimentos volumosos, eventualmente assumir passivos e ainda gerar retorno para seus acionistas.
Para outra fonte, de fato há uma forte possibilidade de as cobranças subirem, porém, não necessariamente a conta sairá mais cara para quem opera no porto. Isso porque, hoje, as empresas deixam de ter receita devido a ineficiências, como filas de navios e dificuldades de acesso da carga. Sua avaliação é que os ganhos vão superar eventuais aumentos.
A estatal não vinha tendo lucro por falta de eficiência. Quantas oportunidades já não se perderam por falta de dragagem, dificuldade em arrendar uma área? Há também serviços acessórios que o privado pode agregar. Não necessariamente o custo vai subir, avalia o presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Jesualdo Silva.
O Ministério de Infraestrutura afirma que o eventual conflito de interesses está no radar e será devidamente discutido. A atuação desse agente será sinérgica ao papel dos operadores de terminais e armadores, atuais ou futuros, atuando em perfeita complementariedade, diz a pasta.
O ministério e a SPA também avaliam que é prematuro afirmar que a desestatização irá provocar mudanças tarifárias, visto que a modelagem não foi iniciada, e destacam que o futuro concessionário deverá operar com maior eficiência. De qualquer forma, acreditamos que a discussão das tarifas portuárias no Brasil precisa ser realizada de forma técnica. Cabe esclarecer que os reajustes tarifários em Santos ocorreram em quatro ocasiões em 15 anos e foram muito inferiores à inflação no período, afirmaram, em nota.
Com relação à DTA Engenharia, o BNDES afirma que o fato de a empresa ter experiência no setor e no porto será importante para a realização das análises sob sua responsabilidade. Além disso, o banco diz que as autoras dos estudos não poderão participar da licitação para operar o porto, nem compor a sociedade.
Além das preocupações sobre a dinâmica interna do porto, fontes também apontam fatores de risco para a atração do futuro controlador.
De modo geral, a expectativa é que haverá interessados, devido à importância do porto. Porém, eventuais passivos deixados pela estatal deverão ser precificados pelos investidores.
A avaliação é que hoje a companhia docas ainda não tem um dimensionamento adequado de alguns de seus riscos, em especial os socioambientais. O problema chegou a ser apontado no último relatório anual do Comitê de Auditoria da Santos Port Authority.
No documento, o grupo aponta que a gerência [de Sustentabilidade] não está apta, e nem há um planejamento de capacitação para desenvolver um trabalho adequado, e que existem riscos que afetam todos os ‘stakeholders’ que não foram mapeados.
Sobre esse tema, a SPA rechaça qualquer assertiva de desconhecimento ou falta de mapeamento de passivos socioambientais. A estatal diz que as questões são acompanhadas no âmbito do processo de licenciamento ambiental conduzido junto ao Ibama, e que os passivos ambientais estão sob monitoramento, são públicos e estão devidamente quantificados, sendo constantemente fiscalizados pelos órgãos competentes.
Há, por fim, muitas dúvidas sobre a viabilidade de concluir o processo até 2022, prazo da atual gestão. Além da complexidade técnica, há um desafio político, já que dentro do porto há uma série de grupos de interesse distintos e uma forte oposição de sindicatos.
O Sindaport (sindicato dos trabalhadores administrativos do porto) faz oposição ao processo e diz que vai constituir um comitê de assessoria técnica e jurídica para apoiar a entidade durante o debate, afirma o presidente, Everandy Cirino dos Santos.
Para ele, certa funções, como a fiscalização de terminais e o controle do acesso ao canal, não podem ser feitas pelo privado. Embora as discussões não tenham começado, Santos diz que o sindicato poderá recorrer à Justiça para garantir que algumas atividades não sejam desestatizadas.
Um exemplo de como esse tipo de embate interno pode atrasar o processo é o recente imbróglio para a construção de uma pera ferroviária no local do terminal da Marimex. Apesar de o contrato com a empresa ter vencido em maio, há, até hoje, pendências que impedem o avanço dos planos do governo na área, devido a questionamentos da empresa. Um analista resume: Se, para encerrar o contrato de um só terminal, já leva meses, imagine para desestatizar o porto todo.
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