A agricultura sustentável pode receber financiamentos de R$ 700 bilhões no Brasil até 2030, por meio da emissão de títulos verdes, ou green bonds. A projeção é da Climate Bonds Initiative (CBI), uma ONG britânica que sistematiza as normas do que são práticas sustentáveis em diversos setores da economia. Seguindo esses padrões, interessados em captar dinheiro no mercado de capitais obtêm da própria ONG a certificação verde.
Podem, a partir daí, emitir títulos de dívida dando a garantia ao investidor de que suas práticas são sustentáveis – uma demanda global cada vez maior. Com essas exigências cumpridas, os custos de uma captação ficam mais baixos. Do lado do investidor, a finalidade é evitar se associar a projetos deletérios ao meio ambiente.
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A coordenadora de Agricultura da CBI no Brasil, Leisa Cardoso de Souza, disse ao Broadcast Agro que, no País, sobretudo os setores florestal, de agricultura, de pecuária e logística, além do de bioenergia, são fortes candidatos a captar esses recursos nos próximos dez anos. E, em três anos, o potencial para o agro brasileiro é de R$ 320 bilhões. Segundo ela, no mundo, há cerca de US$ 1 trilhão em estoque de títulos verdes, para todos os setores da economia.
Apesar do potencial, o Brasil ainda tem uma atuação considerada tímida no mercado de títulos verdes. Desde 2015, as captações somam menos de US$ 10 bilhões, em todos os setores. Em 2019, em todo o mundo, a emissão dos green bonds movimentou US$ 328 bilhões, mas a América Latina e o Caribe responderam por apenas cerca de 2% desse total.
Para Cristiano Macedo, head comercial da Ecoagro – especializada em estruturar operações financeiras e que no ano passado emitiu o primeiro green bond de uma empresa agrícola brasileira, a Rizoma Agro -, os setores de energia, produção de grãos e de café têm um forte apelo ambiental para emissão de green bonds no Brasil, principalmente por causa da legislação ambiental brasileira, considerada muito rígida. O produtor precisa, por exemplo, ter reserva de floresta na fazenda, tem de fazer o CAR (Cadastro Ambiental Rural), não pode desmatar até determinada porcentagem, diz. E apenas fazendo isso o produtor já teria condição de emitir um título verde; muitos não têm ideia do potencial desse mercado, da sua importância e benefícios.
A ONG Produzindo Certo – antiga Aliança da Terra – está incentivando produtores para os quais ela presta assessoria socioambiental a emitirem green bonds e os auxiliando nesse processo. Segundo o diretor de Operações da Produzindo Certo, Charton Locks, a ONG está estruturando um crédito ancorado em títulos verdes a fim de que os produtores consigam financiamento no mercado de capitais, até mesmo para pagar os serviços socioambientais prestados pela própria organização.
Nós queremos colocar o dinheiro na operação, seja para comprar adubo, semente, óleo diesel e pagar funcionário, o custeio agrícola mesmo, diz Locks. O que queremos é conectar esses produtores sustentáveis com um mercado de capital internacional que está interessado em aportar dinheiro em produtores que têm sustentabilidade. Dinheiro internacional barato para financiar produtores sustentáveis no Brasil.
Segundo Locks, logicamente, os produtores vão usar o dinheiro também para adequações ambientais, mas não só. Para eles estarem na plataforma (Produzindo Certo), têm de fazer adequação todo ano. Mas aí pegam o recurso com o qual conseguem girar o negócio e também melhorar a fazenda, prossegue. Apesar de que, nas fazendas que estão na plataforma, boa parte está num nível bom de sustentabilidade, são ganhos incrementais que acontecem, não são grandes mudanças na fazenda. Elas já estão muito bem posicionadas.
Instrumentos de captação As ferramentas para o agronegócio obter o dinheiro no mercado de capitais continuarão a ser as mesmas que já existem hoje, como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Cédulas de Produto Rural (CPR), entre outras. Só que um CRA com a chancela verde atrai investidores que de outra maneira não estariam interessados, diz Leisa Souza. Estamos vendo todos os títulos do agro que podem ser rotulados como verdes, como CRAs, CDAs, CPR e até financiamento bancário. A partir daí, surge também um trabalho de fomento por parte da CBI no agronegócio, a fim de convencer produtores ou agroindústrias a obterem a certificação de sustentabilidade para atrair aquele grande volume de capital disponível, ávido por aplicações preservacionistas.
Leisa conta que, em agosto do ano passado, a CBI lançou os critérios para que atividades agrícolas obtivessem o selo verde. Os critérios foram lançados em inglês e português e vamos também traduzir para o espanhol, a fim de atrair interessados do exterior, diz. Essas normativas, conforme a executiva, também servem para orientar e deixar mais claro para o produtor rural, sobretudo os pequenos e médios, o que se exige em termos de sustentabilidade para que ele consiga captar recursos emitindo green bonds.
Em breve, diz, a CBI deverá também lançar as normativas específicos para pecuária. São métricas muito claras as que já lançamos e as que vamos lançar, garante ela, explicando que a formulação é um processo bastante participativo. Em abril de 2019 criamos um grupo de trabalho, do qual entidades como a Embrapa, além de indústrias do setor, fazem parte. Depois de formuladas, as métricas entram em consulta pública, inclusive em relação aos melhores títulos disponíveis no mercado e que se encaixam na atividade a fim de ela conseguir captar dinheiro verde.
Na opinião de Cristiano Macedo, da Ecoagro, o CRA é o título que mais bem atende aos produtores rurais ou agroindústrias interessados em captar dinheiro verde no mercado. Conforme o executivo, o potencial do mercado de capitais para financiar o agronegócio é imenso. E, mesmo que o CRA não consiga competir com o crédito a juro subsidiado, ele traz várias vantagens ao produtor rural, sobretudo de governança – o que, para o investidor, traz mais segurança.
Em relação ao CRA certificado como green bond, Macedo lembra que pode ser um excelente instrumento para reverter a imagem de desmatador do agro brasileiro no exterior. Quem está tomando dinheiro no mercado de títulos verdes – e tem certificação reconhecida para isso – já ganha como primeiro benefício um avanço reputacional, diz. Se o tomador mostra um selo verde para o investidor, significa que ele cumpre com critérios ambientais, como emissão reduzida de gases do efeito estufa, desmatamento zero, entre outras exigências.
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