Linha de monotrilho do aeroporto de Congonhas faz 10 anos inacabada e com incertezas

Foto: Danilo Verpa/Folhapress
Foto: Danilo Verpa/Folhapress

Folha de S. Paulo – Há dez anos, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) assinava em Paraisópolis (zona sul de SP) o contrato de implantação da linha 17-ouro para construir o monotrilho do metrô.

O bairro foi escolhido porque receberia uma das 18 estações do modal, previsto para ficar pronto antes da Copa do Mundo de 2014, ao custo de R$ 3,1 bilhões.

A Copa se foi e até hoje as obras não estão perto de terminar. A nova previsão é que elas acabem no fim do ano que vem, ao custo de R$ 4,5 bilhões. Nesse primeiro trecho, serão apenas oito estações —sem previsão se um dia haverá a tão esperada estação de Paraisópolis.

Menor e proporcionalmente mais caro que o plano original, o traçado dessa primeira etapa conecta o Morumbi ao aeroporto de Congonhas. A previsão dos especialistas é que os primeiros meses após a inauguração devem ser imprevisíveis —isso porque a nova linha usa uma tecnologia diferente das que funcionam atualmente no Brasil.

Na época do anúncio do monotrilho, modelo então desconhecido no país, o modal era uma promessa de obra rápida e barata. Espécie de trem com rodas que anda sobre uma estrutura elevada, ele virou sinônimo de obra parada para os paulistanos que há uma década passam por ela.

Hoje, o modelo é bastante criticado, tanto pelas falhas onde foi implantado quanto pelo baixo custo-benefício.

A previsão é que a linha 17-ouro atenda 165.220 passageiros por dia útil em 2023, segundo dados do Metrô. Com uma extensão parecida ao do monotrilho, por exemplo, o corredor de ônibus Berrini atende 169 mil pessoas por dia, segundo dados da SPTrans.

A diferença é que os corredores de ônibus são muito mais baratos, mesmo no caso dos BRTs.

Contando os 7,8 km de extensão de obras (e não apenas os 6,7 km operacionais), o custo por quilômetro da linha 17 é de cerca de R$ 580 milhões. Embora os preços variem, um BRT, espécie de corredor de ônibus de qualidade superior, poderia ser feito por cerca de R$ 100 milhões/km, afirmam especialistas ouvidos pela reportagem.

Já um metrô tem custo variado, oscilando entre cerca de R$ 750 milhões para uma unidade de superfície até por volta de R$ 1,7 bilhão no caso de equipamento subterrâneo, de acordo com estimativas de técnicos —ele, porém, tem pelo menos o dobro de capacidade de um monotrilho.

Após a assinatura do contrato da linha 17 em 30 de julho de 2011, as obras começaram em 2012. Em 2014, uma morte foi registrada nos trabalhos, quando uma viga caiu sobre operário, iniciando um período de percalços durante as obras.

Ao longo dos anos, viveu uma rotina de paralisações ou quase paralisações, tanto por questões judiciais quanto por problemas envolvendo as empresas.

Secretário de Transportes Metropolitanos na gestão Geraldo Alckmin, Clodoaldo Pelissioni cita uma série de imbróglios que afetaram o cronograma das obras.

“Nós procuramos dar um encaminhamento correto dentro da lei para que as obras fossem concluídas e tivemos contratempos. Empreiteiras envolvidas na Lava Jato, Justiça negando um acordo que até o promotor concordou, a questão da desistência da fornecedora de trens [a malasiana Scomi] e nós deixamos tudo encaminhado para que próxima gestão pudesse dar o encaminhamento”, disse, acrescentando que no período avançaram obras da linha 5-lilás, 4-amarela e 15-prata.

Em 2019, já na gestão João Doria (PSDB), o Consórcio Monotrilho Integração, liderado pela Andrade Gutierrez, foi retirado da obra por não cumprir o cronograma e multado em R$ 88 milhões.

Em dezembro do ano passado, o governador anunciou a retomada dos trabalhos com prazo de término até dezembro de 2022. A obra é dividida em diferentes contratos, sendo os três principais de fornecimento de trens, de construção especificamente da estação Morumbi e de construção civil.

Mesmo se o cronograma apresentado para as obras de infraestrutura seja seguido, não há garantias que a população de fato usufrua plenamente do serviço já no ano que vem —como os trens têm tecnologias novas, pode demorar um tempo até que isso aconteça.

A linha 15-prata, que também usa monotrilho, foi inaugurada em 2014, mas ficou oficialmente em testes até 2018. Mesmo assim, ainda hoje ela sofre interrupções devido a falhas e a necessidade de novos testes nos trens, fabricados pela empresa Bombardier. A linha já teve um pneu estourado e choque entre os veículos, por exemplo.

“Na linha 15 nós não tínhamos noção do que poderia acontecer. O que a gente pôde perceber é que, ao iniciar a operação, tinha muito problema. Ninguém imaginava que o trem iria trepidar tanto, a ponto de soltar parafuso, teve que ser trocado todo o sistema de pneus. Na linha 17 vai acontecer isso? Eu espero que não, que se aprenda com os erros da linha 15”, diz Wagner Fajardo, coordenador do Sindicato dos Metroviários.

A linha 17 tem fornecedor de trens diferente da linha 15. E na visão do consultor em transportes Flamínio Fichmann, a troca de fornecedor dos trens da linha 17 durante o processo de implantação pode ser um novo fator complicador.

Segundo Flamínio, após a inauguração, será necessário uma série de etapas como homologação, testes e operação assistida antes de que o monotrilho funcione plenamente.

Para ele, o modal foi uma má escolha do governo paulista. “As justificativas apresentadas na época caíram por terra, como, por exemplo, previa-se que a estrutura era mais esbelta, que tivesse menor impacto no sistema viário. Não foi constatado isso, é uma estrutura pesada e que ocupa quase o mesmo espaço de um metrô. Segundo, o tempo de execução, um trunfo, para ser inaugurado antes da Copa [o que não aconteceu]. Terceiro, o custo, a ideia é que seria com um custo de por quilômetro menos de 50% do valor do metrô”, afirma.

Flamínio afirma que um estudo de demanda deveria definir se a opção mais acertada seria um metrô ou um BRT.

Consultada, a BYD, empresa que assumiu o fornecimento de trens no lugar da Scomi, afirmou em nota que segue o cronograma previsto na licitação. Segundo a companhia, foi desenvolvida “uma solução tecnológica para redesenhar o trem e adequá-lo à viga já implantada no atual projeto da linha 17-ouro”.

“Todos os materiais e sistemas de fornecimento do escopo da BYD para o contrato passarão por várias etapas de inspeção pelas equipes da BYD e do Metrô de São Paulo, com testes feitos em fábrica no Brasil e na China, além do comissionamento previamente à entrega para operação, no Brasil”, diz a empresa.

O trajeto original da linha, com 17,7 km e 18 estações, deveria ligar a estação Jabaquara, na linha 1-azul, à futura linha São Paulo Morumbi, na linha 4, fazendo ainda conexão com a linha 5-lilás e a linha 9-esmeralda da CPTM.

Um ramal levaria ainda à estação Congonhas (acessível ao aeroporto por uma passagem subterrânea por baixo da av. Washington Luís). A previsão era que o monotrilho recebesse cerca de 450 mil passageiros por dia.

As demais estações inicialmente previstas, no entanto, permanecem sem qualquer perspectiva de entrega. No atual modelo, quando for entregue, a operação da linha 17 deve ser deficitária.

Em 2017, o custo por passageiro previsto era de R$ 6,71 —o preço da passagem hoje é R$ 4,40. Como a concessão do trecho ao consórcio Viamobilidade, composto pela CCR e Grupo Ruas, foi feito conjuntamente com a linha 5-lilás do metrô, a operação deve se viabilizar financeiramente.

A grande diminuição na expectativa de passageiros por dia útil se deve à suspensão de estações na periferia, em regiões muito populosas, como Paraisópolis.

Líder comunitário no bairro, Gilson Rodrigues estava presente no evento em que Alckmin assinou o contrato. Pela região, reina a indignação em relação a essa promessa descumprida.

“É um total descaso com a população. Paraisópolis vai fazer 100 anos este ano [em 16 de setembro] e seria um grande presente para a comunidade poder ter acesso a essa linha”, disse.

​Rodrigues afirma que os terrenos para a estação estão desapropriados e prestes a ser invadidos. “Nessa crise, as pessoas estão sem dinheiro para pagar aluguel e se for invadido a gente fica 100% sem a possibilidade de ter essa linha que seria um grande avanço para a população que vive em ônibus lotados na nossa região”.

A Folha fez uma série de questionamentos à Secretaria de Transportes Metropolitanos da gestão Doria, chefiada por Alexandre Baldy, no último dia 2, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/09/linha-de-monotrilho-do-aeroporto-de-congonhas-faz-10-anos-inacabada-e-com-incertezas.shtml

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*