Rodovias e ferrovias pedem reequilíbrio nas concessões

Fora dos trilhos

Valor Econômico – As concessionárias de rodovias e ferrovias pediram formalmente ontem, à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a abertura de processo para o reequilíbrio econômico-financeiro de seus contratos devido à alta recente de insumos básicos.

Elas argumentam que a disparada de materiais como asfalto, cimento e aço mudou significativamente o valor dos desembolsos necessários para a execução de obras exigidas nos contratos.

De acordo com as empresas, o aumento de preços deve ser entendido como um evento de força maior ou caso fortuito – o que gera a possibilidade de repactuação dos termos originais. Fatores como a pandemia de covid-19, a guerra na Ucrânia e a desorganização da cadeia global de suprimentos são mencionados como responsáveis por esse fenômeno.

O pedido foi apresentado em cartas – separadas – da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) e da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Ambas fazem um apelo para que a agência construa uma proposta de reequilíbrio, com audiência pública e participação de interessados, a fim de preservar a sustentabilidade econômica das concessões.

Só depois de fixada a tese, com o reconhecimento da possibilidade de repactuação contratual, cada empresa entraria individualmente com pedido específico na ANTT para ajustar sua concessão.

O cenário de alta de insumos afeta mais especialmente as concessões em fase inicial, quando costumam estar concentrados os principais investimentos. Nas ferrovias, algumas operações acabaram de renovar seus contratos por 30 anos, tendo a realização de obras bilionárias como contrapartida. São os casos da MRS, da Malha Paulista (Rumo) e da Vale – esta última precisará construir 383 quilômetros da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) e o trecho Cariacica-Anchieta (ES).

Nas rodovias, estão em jogo compromissos assumidos em leilões nos últimos meses. A CCR, que ganhou a relicitação da Presidente Dutra (Rio-São Paulo), deverá construir uma nova pista na Serra das Araras. A Ecorodovias terá pela frente o desafio de duplicar longas extensões na BR-153 (entre Goiás e Tocantins) e no sistema Rio-Valadares (MG).

A lógica explicitada nos pedidos à ANTT é que o volume de desembolsos previstos em cada uma dessas grandes intervenções ficou defasado após a disparada dos insumos. Os compromissos de entrega das obras são contratuais, vão sair bem mais caros do que o imaginado originalmente e as receitas não crescerão na mesma medida – porque o IPCA, quase sempre usado como indexador das tarifas, não absorve muito essas variações nas matérias-primas.

“Este fato causa desequilíbrio em termos da capacidade das concessionárias gerarem recursos líquidos que possam ser usados para bancar a realização dos investimentos. É de fundamental importância ressaltar que a alta nos custos unitários desses insumos não foi compensada pela redução do preço de outros insumos utilizados em projetos de investimento ferroviário”, afirma a ANTF na carta, obtida pelo Valor.

Um exemplo citado é o preço do trilho TR-68 importado dos Estados Unidos ou da Europa. Ele custava pouco mais de R$ 2,2 mil por tonelada no fim de 2016, foi para cerca de R$ 4,6 mil em setembro de 2020 e já beirava R$ 6,4 mil em março de 2022. O cimento asfáltico de petróleo (CAP) subiu quase 60% desde o início de 2020.

Dirigindo-se à agência reguladora, a ABCR sustenta em sua correspondência que a dinâmica dos preços de insumos essenciais para as rodovias têm sido afetada “de modo imprevisível e extraordinária” por eventos de força maior ou caso fortuito. “É inevitável que se busquem soluções regulatórias aptas a promover a recomposição do equilíbrio dos contratos, sob pena de se afetar a sustentabilidade dos projetos e a continuidade da prestação dos serviços públicos envolvidos”, alega a entidade.

Nos bastidores, as operadoras de rodovias e ferrovias defendem um “mix” de soluções para que nenhuma alternativa pese demais isoladamente. O cardápio de alternativas pode incluir redução dos pagamentos de outorga à União (quando houver), extensão da vigência dos contratos, revisão do cronograma de obras, pequenos aumentos das tarifas.

Procurada pela reportagem, a ANTT confirmou ter recebido os pedidos, mas preferiu ainda não emitir uma posição. “A equipe técnica da agência vai analisar o teor dos documentos e se manifestará diretamente para as associações.”

As concessionárias encomendaram estudos para embasar seus pontos. O economista Armando Castelar, professor da FGV Direito Rio, elaborou parecer para as ferrovias.

O estudo de Castelar sugere que os insumos continuarão em patamares elevados devido a movimentos – como o plano de infraestrutura do governo Joe Biden, a perspectiva de retomada de um crescimento mais forte na China, estímulos fiscais na Europa, desorganização das cadeias produtivas. Mesmo que haja recuo, argumenta o economista, o impacto sobre o fluxo de caixa descontado das concessões já ocorreu.

Para ele, sem o reequilíbrio dos contratos agora, o efeito aparecerá em outras concessões mais adiante. “Os investidores levam isso em conta. Podem se sentir desestimulados a entrar em novos leilões ou querer um retorno mais elevado, o que joga contra a modicidade tarifária.”

A Tendências foi contratada pela ABCR. Concluiu que materiais como aço, cimento asfáltico, madeira e rochas apresentam descolamento de seus padrões históricos. Para ela, a pandemia interferiu de maneira “inesperada e excepcional” na dinâmica de preços.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/09/13/rodovias-e-ferrovias-pedem-reequilibrio-nas-concessoes.ghtml

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