O Globo (Artigo) – No final do século XIX, o Brasil teve sucesso na utilização do regime de concessões para expandir sua infraestrutura de serviços públicos. O francês Aleixo Gary obteve a primeira concessão junto a Dom Pedro II, para a varrição do Rio de Janeiro, em 1876. Sua empresa legou o nome “gari” para designar os varredores de rua. Com o tempo, a concessão evoluiu para o que é hoje a Comlurb, um exemplo para o Brasil.
Também de origem francesa foi a Empresa de Melhoramentos do Porto de Santos, tendo como principais acionistas Candido Gaffrée e Eduardo Guinle, que receberam a concessão do porto em 1890. A Docas de Santos é hoje a Autoridade Portuária, empresa pública que administra o maior porto da América Latina, com operadores privados.
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Dezenas de outras concessões foram feitas no século XX, para operar serviços de eletricidade, telecomunicações, gás encanado, transportes coletivos etc. Tudo era referenciado ao dólar, e isso satisfazia às concessionárias. Depois que o presidente Vargas proibiu tal prática (1933), ficou muito difícil a situação das concessionárias diante da inflação, pois não havia correção monetária, e os resultados não justificavam novos investimentos.
Esse período de incertezas durou 30 anos: não havia investimento e havia muitos racionamentos. A reação dos governos foi a estatização dos serviços já concedidos, principalmente de energia elétrica (Eletrobras) e telecomunicações (Telebras).
Em 1964, o ministro Roberto Campos introduziu a “escala móvel” e, depois, Mário Henrique Simonsen estendeu a correção monetária, permitindo atualizar o valor dos ativos das empresas, depreciá-los de forma realista, remunerar os investimentos e expandir a oferta de serviços concedidos. Isso explica boa parte do “milagre” da infraestrutura durante o regime militar.
Com as novas leis de Licitações, de Concessões e de Parcerias Público-Privadas, promoveu-se uma nova onda de privatizações de empresas estatais (CSN, Vale etc.) e expansão de serviços públicos a cargo de empresas privadas nas áreas de transportes, telecomunicações, energia elétrica etc.
Agora, estamos vivendo novas dificuldades para a sobrevivência das concessões, que ameaçam a estratégia de promovê-las para expansão da infraestrutura. Para ilustrar, eis cinco casos que dizem respeito ao Estado do Rio de Janeiro, mas se repetem noutros estados.
Light e Enel sofrem com os gatos de energia. Em lugar das concessionárias, milicianos cobram mensalidades dos moradores. Parte da receita evadida pelos gatos é compensada pelos consumidores honestos, que pagam tarifas mais altas do que deveriam.
A CCR estava pronta para devolver ao estado a travessia Rio-Niterói por barcas. Finalmente foi feito acordo com o governo, que reconheceu como dívida sua os prejuízos acumulados pela empresa nesse serviço.
Some-se também a japonesa Gumi, que oficializou a intenção de não operar mais os trens da SuperVia, onde muita gente viaja sem pagar. Na estação Padre Miguel, o calote é visível. O BRT também não arrecada o correspondente à quantidade de pessoas que transporta por causa do calote. E a Changi, empresa de Cingapura que opera o Galeão, pediu na semana passada um prazo de dez dias para decidir se continuará à frente do aeroporto.
O governo Lula sabe que não pode prescindir das concessões, em todos os níveis de governo e em diferentes serviços, para retomar o crescimento econômico. Mas precisará fazer muitos ajustes, em especial na legislação.
*Luiz Alfredo Salomão, engenheiro, foi consultor econômico da Light, deputado federal e interventor no BRT do Rio
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