Investidores estrangeiros retomam interesse por companhias brasileiras e vão às compras

Valor Econômico – As empresas brasileiras voltaram a atrair o interesse de investidores estrangeiros, depois de um período em que o país ficou afastado do olhar dos competidores globais. Com a retomada da atividade da indústria de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês), que ganhou fôlego após um início de ano monótono, as grandes transações que foram para a mesa em 2023 refletem esse fenômeno, sob o contexto de mudanças geopolíticas e da melhora das expectativas sobre a economia.

Diante do atual retrato, o Brasil caminha para reverter uma tendência que foi observada nos últimos anos, período no qual o contexto político tirou o país da lupa dos investidores de fora.

Os dados comprovam a mudança e, segundo banqueiros de investimento, mostram que o Brasil retomou um lugar de atenção entre gigantes globais. No ano até aqui, as operações de fusões e aquisições somaram cerca de R$ 130 bilhões (US$ 26 bilhões), de acordo com levantamento da consultoria Dealogic feito a pedido do Valor. Desse total, 61% – ou R$ 80 bilhões -, vieram das chamadas operações “cross border”, ou seja, aquelas envolvendo compradores estrangeiros. No mesmo período do ano passado a fatia de operações envolvendo compradores estrangeiros foi de 31%.

Os últimos anúncios de operações de peso demonstram o interesse, além de ajudarem a impulsionar os números do ano. Dentre elas está a compra da Kopenhagen pela Nestlé, uma transação de R$ 4,5 bilhões, a primeira aquisição do grupo suíço no Brasil em 20 anos. Outra foi a venda da Biotrop à belga Biobest. A Natura traz outro exemplo, com a Aesop indopara as mãos da francesa L’Oréal. Já a mineradora Vale fez, até aqui, a maior transação do ano, ao vender 13% de sua unidade de metais básicos para a saudita Manara Minerals e a americana Engine No. 1, por R$ 17 bilhões (US$ 3,4 bilhões).

Outra operação de grande porte na virada do semestre foi a venda, por R$ 5 bilhões (US$ 1 bilhão), da empresa de tecnologia Pismo para a Visa. O birô de crédito americano Equifax concluiu em agosto a compra da brasileira Boa Vista. Outra transação bilionária ainda não concluída, mas que pode ir para a mãos de estrangeiros, é a Braskem tendo como potencial comprador a Adnoc, de Abu Dhabi.

O sócio responsável pela área de mercado de capitais do BTG Pactual, Bruno Amaral, afirma que o fato de ampla parte das maiores operações do ano ter na ponta compradora um estrangeiro demonstra a retomada do apetite externo em ativos brasileiros. No entanto, o executivo destaca que, ao contrário de outras épocas, em que esse movimento era impulsionado ou por uma euforia em relação ao Brasil ou por facilidade de financiamento com juros baixíssimos no mundo, o atual momento reflete decisões estratégicas por parte desses compradores. “Estruturalmente o Brasil está bem posicionado e estamos vendo o resultado disso, do novo apetite dos estrangeiros”, afirma o executivo. Segundo ele, essa boa posição do Brasil é explicada por questões geopolíticas – como a guerra na Ucrânia, o movimento de “nearshoring” (aproximação das cadeias produtivas do mercado consumidor) e ainda o movimento de transição energética, algo que coloca o Brasil à frente de outros países.

O executivo do BTG diz que o ritmo das transações começou a ganhar tração e o potencial é de alcançar até o fim do ano a média histórica anual do volume de M&A no país – que gira entre US$ 45 bilhões e US$ 50 bilhões -, apesar da paralisia do mercado nos primeiros anos de 2023. “O que foi um ‘driver’ [fator] importante dessa recuperação foram os estrangeiros, que marcaram as principais transações em termos de volume”, afirma Amaral. O potencial, segundo ele, ainda está no início, visto que o resultado do olhar árabe no Brasil, reflexo da recente comitiva que veio ao país, ainda irá resultar em mais negócios.

O maior interesse do investidor estrangeiro é confirmado pelo responsável de M&A do Bank of America no Brasil, Diogo Aragão. Diante dessa constatação, o que mais chamou a atenção do executivo tem sido a chegada de novatos ao mercado brasileiro, algo que não estava sendo observado no mercado nos últimos anos. “Um pedaço grande do ‘pipeline’ [operações em preparação] vem de estrangeiros, tanto de estratégicos, quanto financeiros. Potencialmente, esse será o grande mote para o ano que vem”, afirma.

O executivo nota que, apesar do interesse existir, ele não é generalizado, percorrendo no momento empresas de determinados setores. “O olhar está onde se tem vantagem competitiva, uma tecnologia diferente, ou pelo mercado consumidor grande e abrangente. O interesse está mais estratégico e não oportunístico. mas o que se nota é de que esse interesse voltou”, diz.

O chefe da área de fusões e aquisições do UBS BB, Fabio Mourão, comenta que o maior interesse dos estrangeiros começou a ser identificado no fim do primeiro semestre, com mais investidores de fora mais dispostos a analisar as oportunidades no Brasil. “O perfil das transações de M&A mudou, mais uma vez, no fim do primeiro semestre, com estrangeiros voltando a analisar os ativos brasileiros. Nosso pipeline está bastante saudável e trabalhando com operações com estrangeiros. Como as transações demoram meses para amadurecer, poderemos ter operações concluídas no fim do ano e início de 2024.”

Eduardo Miras, responsável pelo banco de investimento do Citi no Brasil, afirma que hoje a evolução do pipeline do banco continua bastante alinhada com o olhar dos estrangeiros. “O diálogo com ‘players’ estratégicos continua e está se aquecendo. Estamos acessado mais a nossa rede global”, afirma. O executivo diz que o Brasil é “amigável para investimentos estrangeiros, algo que se evidencia até mesmo pela forte presença de multinacionais no país em praticamente todos os setores. “O governo também tem feito discussões importantes, como ajudam o Brasil do ponto de vista institucional. O Brasil também já iniciou o ciclo de corte de juros, tem um mercado de capitais funcionais, e um mercado com profundidade para financiamento em moeda local”, afirma.

Roderick Greenlees, responsável global pelo banco de investimento do Itaú BBA, ressalta que, depois de um primeiro semestre em que o ritmo esteve lento, tanto por conta das altas taxas de juros quanto pelo mercado de capitais inativo, a roda começou a girar. “A boa notícia é que a partir de junho a retomada do mercado de capitais foi coincidente com o mercado de M&A”, afirma. De acordo com o executivo, as grandes operações do ano tiveram por trás investidores estrangeiros, o que deve continuar sendo observado no mercado. “O Brasil está em um momento bom, a maior preocupação, que tem gerado essa volatilidade, é com as taxas de juros lá fora”, destaca Greenlees. Segundo ele, a melhora recente do mercado de fusões e aquisições reflete, assim, a melhora da situação do país.

Ricardo Bellissi, corresponsável pelo banco de investimento do Goldman Sachs no Brasil, afirma que o atual movimento ocorre após um período de acomodação, onde os investidores precisaram entender as variáveis, incluindo qual seria o custo de capital com a atual taxas de juros, para, assim, tomarem a decisão sobre o direcionamento dos investimentos. “Para quem sempre olhou para o Brasil como mercado estratégico, essa convicção não deveria mudar”, diz o executivo, reforçando que a expectativa é de que atual tendência positiva seja mantida.

Na visão de Pedro Muzzi, responsável pela área de M&A do Goldman, a posição do Brasil no contexto global tem ajudado o país. “Quando o estrangeiro olha o Brasil ele vê um país grande, com grandes mercado consumidor e com uma agenda positiva de crescimento. O apetite continua muito grande”, afirma. Além disso, segundo ele, o valor das companhias segue baixo, ainda mais quando se coloca na conta a taxa de câmbio.

Outra questão que tem direcionado maior interesse aos ativos brasileiros neste momento, afirma o responsável pela área de M&A da Pulse Capital, Marcos Camilo, é o comparativo entre o mercado brasileiro e seus pares. “Na América Latina, o Brasil tem maior estabilidade econômica e política. Se comparado aos países emergentes do oriente, como Rússia e Índia, o Brasil novamente se destaca”, diz.

Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/10/03/investidores-estrangeiros-retomam-interesse-por-companhias-brasileiras-e-vao-as-compras.ghtml

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