Prefeitos de capitais miram 2024 e mais que dobram investimento

Valor Econômico – No ano que antecede as eleições municipais, as prefeituras das capitais aceleram investimentos. Os investimentos no agregado das 26 cidades somaram R$ 10,8 bilhões de janeiro a agosto deste ano, 76,8% de alta em termos reais em relação aos R$ 6,1 bilhões de 2022 e mais que o dobro dos R$ 4,8 bilhões de 2019, mesmo período do ciclo eleitoral anterior, sempre considerando iguais meses e com valores atualizados até agosto.

Um colchão de superávits financeiros de períodos anteriores e maior acesso a operações de crédito estão entre os fatores que possibilitaram o avanço dos investimentos, segundo analistas e secretários de Fazenda, mesmo num período em que a despesa corrente ganha mais ritmo que a receita.

“Os volumes impressionantes de investimentos vêm do casamento do ciclo orçamentário com o ciclo eleitoral”, diz Ursula Dias Peres, professora de políticas públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidade (EACH/USP). Para ela, o crescimento mostra como as eleições em 2024 serão altamente disputadas, num cenário que favorece quem tenta a reeleição.

Os dados mostram, diz, que os investimentos crescem a taxa bem superior à da arrecadação. “Parte dos gastos deve estar sendo financiada por saldo de caixa.” Segundo dados do Banco Central, o total em caixa de todos os municípios brasileiros somou em agosto R$ 39,96 bilhões, abaixo dos R$ 43,69 bilhões de 2022, mas bem acima dos R$ 21,45 bilhões de 2021, considerando sempre o mesmo mês.

Peres ressalta também o aumento das despesas correntes num cenário de incerteza à frente, após crescimento pujante de receitas em 2022. Os recursos de transferências correntes, muito importantes na composição de receitas de parte das capitais, diz, já mostram perda de força. No conjunto das 26 capitais, a receita corrente somou R$ 167,1 bilhões de janeiro a agosto deste ano, 3,2% a mais que igual período do ano passado, mas com ritmo de crescimento bem aquém do das despesas correntes, que subiram 11,1%, com alta de 9,3% na despesa de pessoal.

“Ciclo eleitoral influencia na alta impressionante de investimentos”
— Ursula Dias Peres

A comparação com igual período de 2019 revela o crescimento das receitas no decorrer dos últimos quatro anos. A arrecadação própria das capitais, dada pela receita com impostos, taxas e contribuições de melhoria, aumentou 6,2% contra 2022 e 17,8% em relação a 2019. Nesses quatro anos a receita corrente cresceu 19,9% enquanto a despesa corrente subiu 17,7%, sempre em termos reais e nos mesmos oito meses.

Os dados são dos relatórios entregues pelas prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e coletados de 2 a 5 de outubro. Foram consideradas despesas liquidadas e receitas realizadas. Todos os dados de 2019 e 2022 foram atualizados até agosto pelo IPCA.

No conjunto das 26 capitais, as transferências correntes – que incluem os repasses estaduais de ICMS e as transferências federais, por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – somaram R$ 66 bilhões de janeiro a agosto, 1,8% a menos que as de iguais meses de 2022. “A queda reflete a perda de potência do ICMS e de tributos arrecadados pela União [IR e IPI, que compõem o FPM], também influenciando negativamente a receita corrente, ainda que ela tenha ficado com variação positiva”, diz Peres.

Os dados mostram que o aumento de investimentos foi generalizado. Das 26 capitais apenas cinco reduziram investimentos de janeiro a agosto deste ano contra igual período de 2022. Em 13 o investimento aumentou em mais de 50%. Dessas 13, em sete o valor investido neste ano mais do que dobrou o de 2022. Se compararmos com 2019, a alta superou 50% em 18 capitais, sendo que em 14 delas passou dos 100%, sempre em termos reais e de janeiro a agosto.

Rodrigo Sartori Fantinel, secretário de Fazenda de Porto Alegre, aponta os superávits financeiros de períodos anteriores como fator importante para o aumento de investimento do município. Porto Alegre foi uma das cinco capitais que tiveram, redução de investimentos de janeiro a agosto deste ano, com queda de 2,5% ante 2022. O quadro, porém, deve mudar até o fim do ano, diz o secretário.

Segundo Fantinel, em 2021 e 2022 a capital gaúcha teve recordes de nível de investimento, com parcela maior do orçamento destinada a essa conta. Embora com queda de valores em relação a 2022, os relatórios fiscais mostram que a capital gaúcha aumentou os investimentos em 106,1%, em termos reais, quando se compara com janeiro a agosto de 2019.

Em todo o ano de 2022, lembra Fantinel, foram R$ 460 milhões em investimentos empenhados em Porto Alegre. Neste ano, diz, o valor deve superar os R$$ 500 milhões. Segundo ele, o ritmo de investimentos desde o início do segundo semestre aumentou por meio do Plano de Aceleração de Investimentos (PAI). “Tudo o que conseguimos incrementar em receita estamos tentando trazer para investimentos, para deixar essa conta mais gordinha.”

A receita corrente do município subiu 10,4%, triplo da média das capitais, de janeiro a agosto deste ano contra iguais meses de 2022. Fantinel diz que o desempenho resulta de medidas da prefeitura que estimulam autorregularização e compliance dos contribuintes, além de programas de mediação para redução de contencioso e de cobrança da dívida ativa.

O maior acesso a operações de crédito também favorece os investimentos em alguns locais, aponta o secretário de Fazenda de Aracaju, Jeferson Passos. No caso da capital sergipana, recursos captados junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e à Caixa Econômica Federal financiam investimentos em infraestrutura, em áreas como mobilidade e habitação.

Pelos relatórios fiscais, as receitas com operações de crédito do agregado das capitais somaram R$ 4,58 bilhões de janeiro a agosto de 2023, bem acima do R$ 1,58 bilhão de igual período de 2022, em valores atualizados. Em Aracaju foram neste ano R$ 98,65 milhões contra R$ 52,88 milhões em 2022, nos mesmos oito meses.

“As operações de crédito internacionais, por exemplo, ficaram mais acessíveis em meados do anos 2000 e agora são mais frequentes e mais comuns não só nas capitais mas também em médias e grandes cidades”, diz Passos.

Giovanna Victer, secretária de Fazenda de Salvador, chama atenção para a maior maturidade das prefeituras na área fiscal, o que também favorece o acesso a financiamentos. Em Salvador os relatórios mostram R$ 266,41 milhões em receitas com operações de crédito de janeiro a agosto deste ano, com alta real e 65,5% em relação a iguais meses do ano passado.

Há certamente, diz Victer, a influência do ciclo político. “É preciso lembrar também que o atual mandato se iniciou em 2020, quando veio a pandemia de covid-19.” No primeiro ano, portanto, diz, houve adiamento de investimentos porque os esforços se concentraram no combate à doença.

Houve depois, recorda, período de relativa estabilização de despesas correntes muito influenciada pela Lei Complementar 173/2020, que estabeleceu os repasses extraordinários no combate à covid-19 mas também restringiu o aumento dos gastos com pessoal até o fim de 2021. E em 2022, diz, houve aumento de receitas, embora os repasses de ICMS tenham sido afetados no segundo semestre com as reduções de alíquota impostas pelo governo federal.

“Agora há um momento de ajuste de despesas e receitas”, diz ela, com especial preocupação para o comportamento das transferências correntes, que estão aquém da arrecadação própria. “Nos preparamos, nos aspectos tributários, de poupança e de despesa corrente, para consolidar o ciclo de investimentos neste momento”, diz ela. Os investimentos da prefeitura soteropolitana somaram R$ 509, milhões de janeiro a agosto deste ano, com alta de 30,9% contra igual período de 2022. Segundo Victer, o aumento deve chegar a pelo menos 35% ao fim deste ano.

Em Aracaju, diz Passos, após período de investimentos represados durante a pandemia, a retomada com mais força veio ao fim de 2022. “Os investimentos ganharam velocidade e em 2023 o nível de execução está muito acima da média usual.” Os dados dos relatórios fiscais mostram que os investimentos de Aracaju somaram R$ 173,6 milhões liquidados de janeiro a agosto deste ano, com alta real de 163,8% contra iguais meses de 2022. O ritmo de investimentos, diz Passos, deve continuar. A expectativa, diz, é encerrar o ano com R$ 250 milhões em investimentos liquidados e pagos. Esse valor em investimentos deve se repetir ou se superar no ano que vem, aponta.

Em São Paulo a prefeitura espera nível recorde de investimentos para este ano. Segundo os relatórios da capital paulista, o valor investido de janeiro a agosto de 2023 somou R$ 4,26 bilhões liquidados, mais que o dobro do R$ 1,66 bilhão de iguais meses de 2022, em valores atualizados. Nota enviada pela prefeitura de São Paulo diz que até início de outubro os investimentos empenhados totalizaram R$ 10,8 bilhões, valor recorde para o município. Até o fim do ano, diz a nota, estarão disponíveis para serem empenhados cerca de R$ 15 bilhões.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/10/16/prefeitos-de-capitais-miram-2024-e-mais-que-dobram-investimento.ghtml

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