Valor Econômico – Após anos travada, a venda da Bamin, controlada pela Eurasian Resources Group (ERG), do Cazaquistão, tem hoje dois caminhos possíveis se desenhando – ambos, no entanto, enfrentam desafios relevantes para se concretizar, segundo apurou o Valor.
De um lado, governo federal e Vale se articulam para viabilizar uma proposta de compra, em um consórcio com BNDESPar (braço de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e outras empresas privadas, como a Cedro Participações, e possivelmente com a injeção de recursos públicos. De outro, a Brazil Iron assinou um acordo de confidencialidade (NDA, na sigla em inglês) com a Bamin e, há algumas semanas, encaminhou ao acionista controlador uma proposta de compra, segundo fontes.
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A venda da Bamin é vista como necessária para dar uma solução ao projeto bilionário do grupo na Bahia, que inclui a Mina Pedra de Ferro, em Caetité (BA), e a construção da Fiol 1 (Ferrovia de Integração Oeste-Leste) e do Porto Sul, em Ilhéus (BA). Todo o empreendimento deverá demandar mais de R$ 30 bilhões de investimentos, afirmam pessoas a par do tema.
Para além da cifra elevada, a obra é vista como desafiadora e de retorno de longuíssimo prazo. Desde a entrada da Bamin no projeto, analistas do setor de infraestrutura veem a viabilidade do empreendimento com ceticismo.
Do lado do consórcio da Vale, as conversas com a Bamin não começaram, mas uma fonte diz que o valor de venda estimado inicialmente é de US$ 500 milhões.
Nessa frente, por enquanto, o esforço é para viabilizar a oferta de compra. Segundo fontes, uma ideia em estudo é destinar para a Fiol parte dos recursos do acordo firmado, em dezembro, entre o Ministério dos Transportes e a Vale, no âmbito da repactuação das concessões ferroviárias. Os recursos públicos poderiam ser destinados por meio do BNDESPar ou via aporte público diretamente na concessão ferroviária.
Pessoas envolvidas no tema dizem que tem se discutido uma fatia em torno de 20% para o BNDESPar, mas que isso está em aberto e que a ideia é colocar o mínimo possível de recursos. Já a Cedro poderá ter até 30% no negócio – o grupo está buscando investidores para o projeto fora do país neste momento, segundo fontes de mercado. Outras companhias poderão compor o arranjo.
Apesar de uma agenda de reuniões frequentes sobre o tema, fontes dizem que o caso é complexo e não deverá haver decisão do consórcio no curto prazo. As empresas neste momento fazem estudos para avaliar a viabilidade econômica do projeto. A perspectiva é que uma decisão seria tomada entre meados e fim de 2025.
Correndo por fora, fontes dizem que a Brazil Iron já tem uma oferta na mesa para a ERG, com valor que, segundo pessoas próximas às conversas, teria “atendido às pretensões” do grupo.
O ERG estaria buscando, com a venda, ao menos recuperar os investimentos já executados no país, de pouco mais de US$ 1 bilhão, sem considerar o valor de aquisição, desembolsado entre 2008 e 2010. O grupo, contudo, ainda não teria respondido à oferta.
De acordo com essas fontes, a Brazil Iron teve acesso às informações do projeto e realizou uma auditoria (“due diligence”). “O volume de investimentos é elevado, mas eles tiveram a oportunidade de fazer as análises necessárias e verificaram que faz sentido para suas operações”, disse uma delas.
Uma das principais dúvidas em relação à Brazil Iron é justamente sua capacidade financeira para fazer frente ao projeto da Bamin.
Com sede no Reino Unido, a Brazil Iron não está sozinha na oferta. O modelo apresentado, segundo essas fontes, prevê que a companhia ficaria com o controle da Bamin, mas teria “parceiros”, eventualmente com participação minoritária, incluindo um operador e investidores financeiros, todos de capital estrangeiro.
A empresa já tinha mantido contatos iniciais com entes públicos envolvidos no projeto. Porém, fontes próximas ao governo dizem que até o momento não foram procuradas pela companhia e por enquanto veem com descrença a proposta.
A Bamin, que já tinha a Mina Pedra de Ferro na Bahia, conquistou em abril de 2021 o leilão do primeiro trecho da Fiol, assumindo a obrigação de finalizar a construção da via. A licitação não atraiu outros interessados. As obras da concessionária começaram só em 2023, e pessoas que acompanham o projeto dizem que desde então o empreendimento avançou muito pouco. Além disso, ainda seria necessário construir, desde o zero, o Porto Sul, em Ilhéus, outra obra vista como de difícil viabilidade.
Para além do acordo de aquisição, caso a transferência de controle se concretize, a compradora terá de fazer uma repactuação da concessão da Fiol com o governo para resolver os passivos regulatórios da Bamin. Hoje já há sinalizações do poder público de que a discussão seria possível, mas apenas com um novo controlador.
Para o governo, o acordo é necessário também para destravar o leilão de outro projeto ferroviário, de um corredor entre o Centro-Oeste e a costa baiana. A concessão, já em consulta pública, poderá incluir um trecho da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), entre Água Boa (MT) e Mara Rosa (GO), e a continuação da Fiol, entre Mara Rosa Caetité (BA) – com investimento total estimado em R$ 29 bilhões. A meta do governo é lançar o edital até setembro. Porém, sem porto em Ilhéus e sem o trecho da Bamin, não faria sentido licitar os demais trechos da Fiol.
Procurada, a ERG disse, em nota, que “segue em busca de investidores para o projeto” e que “até o momento, não há qualquer descumprimento contratual”. A empresa não quis comentar sobre “eventuais negociações ou interesse de outras empresas”. O Ministério dos Transportes e o BNDES não comentaram. A Vale disse, em nota, que “decisões quanto à alocação de capital seguem rigoroso processo de avaliação”. A Cedro e a Brazil Iron não se pronunciaram.
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