Valor Econômico – O governo aposta no investimento em infraestrutura para estimular o crescimento, mas, com suas óbvias limitações fiscais, conta decisivamente com o setor privado, que vem respondendo positivamente. O investimento no setor atingiu R$ 259,3 bilhões no ano passado, segundo dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), excluindo óleo e gás, o equivalente a 2,22% do Produto Interno Bruto (PIB). A consultoria InterB calcula que o número foi um pouco menor, de 1,87% do PIB em 2024. Ambos são próximos do recorde de uma década atrás.
Nas contas da Abdib, o investimento em infraestrutura aumentou 15,3% em comparação com 2023. Apesar da perspectiva de desaceleração da economia, a previsão é de avanço de 11,14% dos aportes este ano, puxados principalmente por transportes/logística, energia elétrica e saneamento. Muitas licitações feitas há alguns anos estão agora em fase de execução das obras prometidas.
Uma série de fatores está favorecendo a infraestrutura, entre os quais a aceleração das concessões, não só federais, mas também estaduais. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) calcula que as parcerias público-privadas (PPPs) e as concessões cresceram 60% entre 2021 e 2024 em comparação com os quatro anos anteriores.
Mas não só isso. Houve um aperfeiçoamento do ambiente legal, com a aprovação dos marcos regulatórios, como o do saneamento básico e o das garantias. Inovações aparentemente simples, como o free flow em rodovias, tecnologia aceita pelas agências reguladoras, em que a tarifa é cobrada por meio de pórticos equipados com câmeras e sensores, atraem as concessionárias e facilitam a vida dos usuários.
Um dos mais importantes estímulos foi o aperfeiçoamento dos meios de financiamento no mercado de capitais, como os títulos de dívida beneficiados por isenção fiscal ao investidor. Nesse sentido, acaba de ser viabilizada a entrada de investidores de peso nesse negócio – os fundos de pensão fechados, que reúnem R$ 1,3 trilhão em ativos. Resolução do Conselho Monetário Nacional, da semana passada, permitiu aos fundos de pensão investirem nas debêntures de infraestrutura, criadas em janeiro de 2024.
Até então, para investir em papéis de empresas de infraestrutura, a opção eram as debêntures incentivadas, isentas de Imposto de Renda para pessoas físicas, mas que não beneficiam os fundos, já isentos. Já a debênture de infraestrutura dá a vantagem fiscal ao emissor, que pode repassá-la para as fundações na forma de juros mais atraentes.
As debêntures têm sido uma das mais importantes fontes de financiamento da infraestrutura. Com R$ 473,7 bilhões emitidos, representaram quase 60% do total de R$ 783,4 bilhões captados pelas empresas no mercado de capitais em 2024, segundo a Anbima. Um quarto dos recursos captados com debêntures foi canalizado para investimentos em infraestrutura, tendo como destino os setores de transporte, logística e saneamento. As debêntures incentivadas representaram 29%, com R$ 135 bilhões.
A tendência prossegue neste início de ano. Dos R$ 89,2 bilhões captados, 66% foram com a emissão de debêntures, sendo que a participação das incentivadas cresceu para 44%, com R$ 25,9 bilhões. As debêntures incentivadas têm atraído pessoas físicas, que investem nesses papéis diretamente ou via fundos. No ano passado, quase 10% das debêntures incentivadas foram adquiridas por pessoas físicas e 26,5%, por fundos que podem ter a participação desse tipo de investidor.
Atraídos pela isenção do IR, esses investidores aceitam prazos de investimento longos e papéis de liquidez reduzida, apesar da expansão do mercado secundário. Em 2024, o prazo médio das debêntures incentivadas ficou em 12,9 anos, em comparação com os 5,7 anos das debêntures corporativas. Em fevereiro, chegou a 17,9 anos, o mais longo desde junho de 2023, quando era de 21 anos.
O governo levou mais de um ano para regulamentar a participação, nesse mercado, dos fundos pensão, que têm um perfil mais adequado para investir por prazos tão longos, cacife para diversificar a carteira e diluir os riscos. Ainda assim, a participação dos fundos pode levar algum tempo porque negociam com o BNDES uma garantia extra. Elas desejam que o BNDES funcione como uma espécie de avalista e reembolse o valor dos papéis em caso de não pagamento, ponto ainda não acertado.
Apesar dos avanços, o governo reconhece a necessidade de ajustes no marco legal das concessões, que completou 30 anos em fevereiro. Uma atualização tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. O projeto de lei inclui alterações na Lei das PPPs, que tem 21 anos (Valor, 31/3).
Esse não é o único desafio às pretensões do governo para expandir a infraestrutura. Investimentos de longo prazo requerem um horizonte econômico mais previsível e com solidez fiscal, o que não há. A expectativa de alta dos juros ameaça o apetite dos investidores. O tamanho do problema foi retratado em caderno especial de “O Globo” e do Valor (31/3), que mostrou que a universalização dos serviços de saneamento até 2033 vai requerer quase R$ 900 bilhões.
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