Artigo: Um trem alucinado

*José Serra, ex-governador e prefeito de São Paulo


O projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV) entre São Paulo e Rio de Janeiro, o trem-bala, poderia ser usado em cursos de administração pública como exemplo do que não se deve fazer. Foram cometidos vários erros básicos nos estudos preliminares – parecem deliberados, de tão óbvios.


Em primeiro lugar, foi superestimada a demanda de passageiros – e, portanto, a receita futura da operação da linha – em pelo menos 30%.


O TAV tampouco custaria R$ 33 bilhões, como dizem, e sim mais de R$ 60 bilhões. Isso porque não incluíram reservas de contingência, não levaram em conta os subsídios fiscais e subestimaram os custos das obras, como os 100 km de túneis, cujo custo foi equiparado aos urbanos. Esqueceram que os túneis para os TAVs são bem mais complexos, dada a velocidade de 340 km por hora dos trens; além disso, longe das cidades, não contam com a infraestrutura necessária, como a rede elétrica, por exemplo.


Foram ignoradas também as intervenções necessárias para o acesso às estações do trem, caríssimas e não incluídas naqueles R$ 60 bilhões. Imagine-se o preço das obras viárias para o acesso dos passageiros que fossem das zonas sul, leste e oeste de São Paulo até o Campo de Marte!


O último leilão do TAV fracassou não porque os empresários privados não gostem de receber subsídios ou o governo do PT seja refratário a concedê-los. Ao contrário! Até os Correios e os fundos de pensão de estatais podem ser jogados na aventura. Acontece que o projeto é tão ruim que o ponto de convergência se tornou móvel: afasta-se a cada vez que parece estar próximo.


Apesar de tudo, o governo vai insistir, anunciando agora duas licitações: uma para quem vai pôr o material rodante, operar a linha e fazer o projeto executivo da segunda licitação, na qual, por sua vez, se escolheria o construtor da infraestrutura. Este seria remunerado pelo aluguel da obra concluída, cujo inquilino seria a empresa operadora, bem como pelo rendimento da outorga que essa empresa pagou para vencer a primeira licitação. Entenderam? Não se preocupem. Trata-se de uma abstrusa mistificação para, de duas, uma: encobrir o pagamento de toda a aventura pelos contribuintes ou fazer espuma para que o governo tire o time sem dizer que desistiu.


A alucinação que cerca o projeto do TAV fica mais evidente quando se pensa a questão da prioridade. Imaginemos que pudessem ser mobilizados recursos da ordem de R$ 60 bilhões para investimentos ferroviários no Brasil.


Que coisas poderiam ser feitas com esse dinheiro? Na área de transportes de passageiros, R$ 25 bilhões de novos investimentos em metrô e trens urbanos, beneficiando mais de 3 milhões de pessoas por dia útil em todo o País: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Rio, Goiânia, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza… Sabem quantas o trem-bala transportaria por dia? Cerca de 125 mil, numa hipótese, digamos, eufórica.


Na área de transportes ferroviários de carga, os novos investimentos atingiriam R$ 35 bilhões, atendendo à demanda interna e ao comércio exterior, conectando os maiores portos do País aos fluxos de produção, aumentando o emprego e diminuindo o custo Brasil. Entre outras linhas novas, que já contam com projetos, poderiam ser construídas a Conexão Transnordestina (Aguiarnópolis-Eliseu Martins); a Ferrovia Oeste-Leste (Figueirópolis-Ilhéus); a Centro-Oeste (Vilhena-Uruaçu); o trecho da Norte-Sul de Açailândia a Barcarena, Porto Murtinho a Estrela d”Oeste; o Ferroanel de São Paulo; o corredor bioceânico ligando Maracaju a Cascavel; Chapecó-Itajaí, etc. Tudo para transporte de soja, farelo de soja, milho, minério de ferro, gesso, fertilizantes, combustíveis, álcool, etc. É bom esclarecer: o trem-bala não transporta carga.


Além de ter sido vendido na campanha eleitoral como algo “avançado”, o TAV foi apresentado como se o dinheiro e os riscos fossem de responsabilidade privada. Alguém acredita nisso hoje?


Inicialmente, segundo o governo, os recursos privados diretos não cobririam mais de 20% da execução do projeto. E isso naquela hipótese ilusória de R$ 33 bilhões de custo. Outros 10% sairiam do Tesouro Nacional e 70%, do BNDES, que emprestaria ao setor privado, na forma do conhecido subsídio: o Tesouro pega dinheiro a mais de 12% anuais, empresta ao BNDES a 6% e a diferença é paga pelos contribuintes. Com estouro de prazos e custos, sem demanda suficiente de passageiros, quem vocês acham que ficaria com o mico da dívida e dos subsídios à tarifa? Nosso povo, evidentemente, por meio do Tesouro, que perdoaria o BNDES e bancaria o custeio do trem.


Há outras duas justificativas para a alucinação ferroviária: os ganhos tecnológicos e ambientais! A história da tecnologia é tão absurda que lembra os camponeses do escritor inglês Charles Lamb (num conto sobre as origens do churrasco), que aprenderam a pôr fogo na casa para assar o leitão. Gastar dezenas de bilhões num projeto ruim só para aprender a implantar e a fazer funcionar um trem-bala desatinado? Quanto vale isso? Por que não aprender mais tecnologia de metrô e trens de carga? Quanto ao ganho ambiental, onde é que já se viu? Como lembrou Alberto Goldman, a saturação de CO2 se dá nas regiões metropolitanas, que precisam de menos ônibus e caminhões e de mais trens, não no trajeto Rio-São Paulo.


O projeto do trem-bala é o pior da nossa História, dada a relação custo-benefício. Como é possível que tenha sido concebido e seja defendido pela principal autoridade responsável pela condução do País? Eis aí um tema fascinante para a sociologia e a psicologia do conhecimento.


P. S. – A região do projeto do trem-bala onde há potencial maior de passageiros é a de Campinas e Vale do Paraíba, que poderia perfeitamente receber uma moderna linha de trem expresso, com custo várias vezes menor e justificativa econômica bem maior, especialmente se for feita a necessária expansão do Aeroporto de Viracopos.

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