As portas do metrô se fecham e, rapidamente, um homem abre
uma mala, da qual retira várias barras de chocolate. Em seguida, anuncia em
alto e bom tom: “Lá fora é R$ 4. Na minha mão, você leva por R$ 2. Tem nota
fiscal na bolsa e data de validade até 2018”. Logo aparecem outros vendedores,
com balas, fones de ouvido, capas e carregadores de celulares, eletrônicos…
Tudo comercializado livremente na Linha 4. Ligação entre Ipanema e Barra que,
mês que vem, completa apenas um ano de funcionamento pleno, mas que já virou
ponto concorrido entre os camelôs, reproduzindo dentro das composições as
mesmas cenas rotineiras dos trens da SuperVia, dos ônibus e das áreas comerciais
mais movimentadas da cidade.
Por dois dias na semana passada (quinta e sexta-feira), uma
equipe de reportagem do GLOBO percorreu várias vezes o trajeto da Linha 4.
Entre idas e vindas, identificou ao menos 12 ambulantes. Eles atuam quase
sempre de forma discreta. Ficam concentrados nas estações General Osório e
Jardim Oceânico, onde embarcam e desembarcam repetidas vezes. Carregam os
produtos em bolsas e até malas de viagem com rodinhas. Dão preferência às 15
composições chinesas adquiridas pelo estado há dois anos, onde, diferentemente
do que acontece nos trens mais antigos, eles circulam facilmente, porque há
passagens internas entre os vagões.
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O movimento é bem organizado. Na competição pela clientela,
dois ambulantes não podem ocupar o mesmo vagão. Num acordo entre eles, só é
permitido que um apresente suas ofertas por vez. E, para não perderem tempo,
assim como fazia o vendedor de chocolates, eles iniciam os trabalhos
imediatamente após as portas do metrô se fecharem.
CAMPANHA CONTRA O
COMÉRCIO IRREGULAR
O avanço dos camelôs já mobiliza a concessionária Metrô Rio,
que, na última semana, iniciou uma campanha educacional contra a venda dos
produtos. “Não colabore com o comércio ilegal dentro do metrô. Você pode estar
comprando mercadoria falsa, vencida ou de origem irregular. Seja consciente.
Não financie o que é ilegal. Para sua conveniência, o metrô dispõe de lojas e
quiosques nas estações”, afirmam cartazes espalhados pelas estações e
composições.
A Secretaria estadual de Transportes também busca mecanismos
para aumentar a repressão e a fiscalização. Segundo a pasta, está sendo
finalizada uma regulamentação para permitir que os agentes metroviários
retenham os produtos para entregá-los às autoridades competentes, tendo em
vista que a comercialização de mercadorias dentro dos trens causa riscos à
operação e aos passageiros. Atualmente, a única permissão que os funcionários
do metrô têm é para retirar os ambulantes dos vagões. Mas nem as câmeras de
segurança nem uma tropa de 500 seguranças conseguem inibir o comércio ilegal no
metrô.
Nesse ritmo, um ambulante que preferiu não se identificar
revelou que ganha até R$ 400 por dia. Ele faz questão de apresentar uma nota
fiscal para provar que o seu chocolate não é roubado.
— É o nosso sustento. A gente compra no atacado para
revender. Estamos girando a economia. Tem que respeitar o trabalhador. Temos
família para sustentar — defende-se.
Ontem, O GLOBO já havia mostrado que, nas ruas de regiões
como Pavuna, Madureira e Centro, ambulantes vendem produtos supostamente
oriundos de cargas roubas. Há de pães e iogurtes a salame, lombo canadense e
frango congelado. No metrô, a diversidade de mercadorias é menor. A estudante
de veterinária Carolina Vieira, de 22 anos, comprou uma barra de chocolate — um
dos produtos mais comercializados na Linha 4 — e a devorou em poucos minutos.
Ao ser questionada sobre a atividade e a procedência do doce que adquiriu, ela
destacou que a questão dos camelôs não se resume apenas à economia.
— É um problema social. Pelo menos estão tentando trabalhar,
ainda que informalmente. Prefiro comprar com eles e ajudá-los do que ser
roubada — respondeu.
A concessionária do metrô, no entanto, ressalta, em nota,
que “a venda de mercadorias dentro das composições é proibida, os agentes de
segurança são orientados a retirar os ambulantes, e, caso sejam menores de
idade, encaminhá-los ao Conselho Tutelar”. A empresa pede aos passageiros para
que, sempre que possível, informem a presença de ambulantes pelo telefone de
atendimento ao cliente (0800-595-1111) ou pelas redes sociais.
CRÍTICA À PREFEITURA
Presidente do Clube de Diretores Lojistas do Rio (CDLRio),
Aldo Gonçalves comemora a iniciativa e questiona a desordem na cidade.
— Sabemos que é um problema social, mas não é deixando à
solta, como a prefeitura tem feito, que vai a questão do desemprego. Há muita
mercadoria contrabandeada ou roubada, e isso está associado aos ataques a
caminhões. Um ou outro tem nota fiscal. A cidade está um descontrole total, o
que prejudica o comércio e a geração de empregos — pontua.
A Polícia Militar diz que fiscalizar o comércio ambulante
não é de sua competência. A Guarda Municipal informa que não atua no interior
do metrô e dos trens, apenas nas áreas externas, nos acessos e no entorno das
estações. O órgão da prefeitura, no entanto, não soube informar quantos
ambulantes foram autuados nem quantas mercadorias foram apreendidas
recentemente nessas áreas.
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