“Fui pego de surpresa”, diz Sarney Filho

A Lei Geral do Licenciamento pode ser aprovada em poucos
dias, no Congresso, a partir de um acordo político entre o Ministério do Meio
Ambiente, o agronegócio, a indústria e, dentro do governo, a Casa Civil, que
representa os interesses dos ministérios dos Transportes e da Energia. Esta é a
expectativa do ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, que diz ser porta-voz
do governo Michel Temer no assunto. “O texto não é o ideal, mas foi o
acordo possível”, disse em entrevista ao Valor. “A Casa Civil
respeitará o que sair daqui. Esta é a decisão do presidente.”

Sarney Filho diz acreditar que o decreto que extingue a
Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) só terá 20% de área passível de
mineração. A mais recente polêmica ambiental do país, segundo o ministro, foi
um erro de transparência, de comunicação e de origem. O Ministério do Meio
Ambiente (MMA) foi consultado em junho, se opôs em parecer técnico, mas depois
não foi mais chamado a opinar. “Fui pego de surpresa”, disse.
“Pessoalmente acho que o decreto deveria ser revogado.”

O ministro, no entanto, defende a redução de área da
Floresta Nacional de Jamanxim, no Pará, outra ação controversa. Diz que é a
unidade de conservação mais desmatada do país, que foi criada pensando na
preservação, mas que o modelo coloca no mesmo balaio proprietários de boa fé e
grileiros. A proposta do governo, no Congresso, está ameaçada por uma série de
emendas que podem cortar até um milhão de hectares, segundo algumas
estimativas. Se passar no Congresso, ele pedirá veto e, depois, apoiará medidas
jurídicas.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Uma nota técnica do MMA, de junho, contradiz a
narrativa do governo de que a área da Renca seria um inferno verde com garimpo
ilegal. Os técnicos dizem que o grau de preservação é bastante alto e a área
desmatada é apenas 1,1% do total, além da sobreposição com terras indígenas e
áreas protegidas. Como o senhor vê a contradição entre a nota e o discurso?

José Sarney Filho: Acho que o governo falhou e se equivocou
em ter feito o decreto. Fomos ouvidos em junho. Nosso parecer foi contra com
termos bem claros. No dia seguinte em que o Imazon [Instituto do Homem e do
Meio Ambiente] anunciou que o desmatamento, que vinha em alta havia cinco anos,
caiu 21%, ou seja, a reversão da curva, o governo anuncia um decreto sem ter
ouvido o MMA em questões que resultam de uma intervenção na floresta amazônica.

Valor: O MMA não foi consultado?

Sarney Filho: Teve uma consulta formal, respondemos
negativamente e depois não fui avisado de nada. Fui pego de surpresa. Minha
preocupação primeira é o sinal que estaríamos passando para a região. A versão
que ficou patente, predominou e é muito perigosa é a de que o governo estaria
entregando parte da Amazônia para a atividade minerária. E isso poderia colocar
por água abaixo toda a nossa política na Amazônia. Estivemos em todos os
Estados, falamos com governadores, fizemos parcerias com municípios, sociedade
civil, Poder Judiciário. Retomamos o controle do Estado na região amazônica,
com todas as dificuldades. Então, nesse momento, em que temos uma notícia
positiva, dada por uma ONG respeitada, vem um decreto que não vai resultar
objetivamente em nada.

Valor: O que o sr. quer dizer?

Sarney Filho: Que não vai ter atividade minerária. Depois do
segundo decreto, deixa-se bem clara a impossibilidade de se fazer mineração nas
unidades de conservação e terras indígenas que estão lá.

Valor: Mas já há leis que impedem mineração nessas áreas.

Sarney Filho: Sim, está dentro do Snuc [Sistema Nacional de
Unidades de Conservação]. O que quisemos foi deixar claro que aquela região não
estava sendo entregue à atividade minerária. Era preciso que se frisasse isso
no decreto. Embora o ideal, no meu ponto de vista, era que o governo
simplesmente revogasse o decreto, já que acho que ele não vai ter função
prática. Nenhuma grande mineradora vai querer investir em uma região que está
sub judice.

Valor: O sr. acha que não vai dar em nada?

Sarney Filho: Com as ressalvas que já existiam e foram
clarificadas, menos de 20% da área é passível de mineração.

Valor: Então a área serve para quem? Abriu para quem? E por
que agora?

Sarney Filho: É bom perguntar no setor de Minas e Energia
por que foi feito dessa forma. Eu não entendi. E é possível que o Congresso
faça um projeto de decreto legislativo sustando os efeitos do decreto. E já tem
vários pedidos, além de haver a via judicial.

Valor: Há críticas de que faltou transparência e de que a
comunicação foi atrapalhada.

Sarney Filho: Acho que sim. Na medida em que mexer em uma
parte grande da Amazônia é feito sem ouvir o Ministério do Meio Ambiente, no
dia seguinte em que se anuncia a queda do desmatamento, é porque houve falta de
comunicação interna do governo. Quero acrescentar que estou destinando recursos
específicos para fiscalização daquela região, como fiz em Jamanxim, onde o
desmatamento caiu em 60%.

Valor: Sobre a Floresta Nacional do Jamanxim, existiu a
medida provisória, que foi vetada, mas há um novo projeto de lei. É outro caso
confuso.

Sarney Filho: A Flona do Jamanxim foi criada em um mosaico
de unidades de conservação (UCs) para preservar a área da BR-163. A intenção
foi a melhor possível, era o que se pensava na época, que seria o correto para
proteger a Amazônia de uma estrada asfaltada e do efeito do desmatamento. Só
que, da maneira como foi feita, sem discussão com a sociedade local, se
incorporaram propriedades que já estavam produzindo dentro da legalidade.
Quando se criou a UC sem regularização fundiária adequada, colocaram-se no
mesmo balaio os proprietários de boa-fé e os grileiros. E ficou uma terra de
ninguém, o pior dos mundos. Quando cheguei ao ministério havia uma discussão
sobre o aumento do desmatamento ali. O ICMbio dizia que o ideal seria que se
afastasse um pouco o limite da Flona para fazer a regularização fundiária com
todas as precauções legais de que não se iria beneficiar grileiro. Temos todo o
levantamento.

Valor: Mas não deu certo. Quando chegou ao Congresso…

Sarney Filho: O problema é que, se o Congresso acatasse a
proposta que é oriunda de um parecer técnico do ICMbio… É até má-fé pensar
que técnicos do ICMbio, que são dedicados e compromissados com a
sustentabilidade, que fariam um parecer que iria flexibilizar qualquer tipo de
desmatamento na Amazônia. Não procede. A mudança era para diminuir o
desmatamento ali. Reconheço que foi um erro meu de avaliação ter feito essa
proposta técnica através de medida provisória. Deveria ter sido por projeto de
lei. A MP foi descaracterizada e vetada na íntegra.

Valor: Mas agora tudo se repete.

Sarney Filho: Agora, mandamos um projeto de lei também com
parecer técnico, com termos mais rigorosos e que nos dão tranquilidade de que
não vai haver desmatamento nem anistia a quem desmatou ilegalmente. Mas está
sendo novamente descaracterizado no Congresso.

Valor: O novo projeto corta cerca de 350 mil hectares de
Jamanxim.

Sarney Filho: Não é “corta”, aí está um equívoco
de avaliação. Não se está liberando para desmatar. Está deixando de ser Flona
para que se possa dar os nomes dos proprietários legítimos e punir grileiros.
Essas propriedades desafetadas, desde que legítimas, vão ter que manter 80% de
área preservada, vão ter que ter atividade coerente com o plano de manejo da
Área de Preservação Permanente (APA). O plano de manejo de APA pode ser
permissivo ou rigoroso.

Valor: Mas voltou ao Congresso em regime especial, recebeu
várias emendas que, segundo alguns cálculos, podem significar a redução de
áreas protegidas em 1 milhão de hectares. O que, afinal, o governo está
fazendo?

Sarney Filho: O Congresso, até diante da discussão levantada
com a província mineral [Renca], deveria ter mais consciência de que mexer em
proposta técnica, em um momento em que estamos diminuindo o desmatamento, seria
um desserviço ao país.

Valor: O sr. está fazendo um apelo ao Congresso?

Sarney Filho: Sim. Acredito que os parlamentares terão o bom
senso necessário de aprovar o que saiu da proposta técnica, integralmente, sem
mexer. Vamos lutar por isso. Se isso não ocorrer, lutaremos pelo veto. Vamos
apoiar iniciativas jurídicas que possam barrar esse decreto. O Ministério
Público já adiantou e alguns desembargadores federais com os quais conversei
acham que reduzir unidades de conservação sem parecer técnico do órgão é
inconstitucional. Não espero chegar a esse ponto.

Valor: Mas qual a mensagem que o governo está dando para
outras unidades de conservação que também têm ocupação e pressão?

Sarney Filho: Jamanxim foi a unidade de conservação que mais
desmatou nos últimos cinco anos. Esse é o problema. Não estava servindo para
nada, só para acobertar a ilegalidade. O que fizermos lá, se sair na lei, vai
servir de exemplo, sim. Diminuir a possibilidade de que em outras UCs ocorra o
que ocorreu lá, que é um desmatamento desenfreado. Parece que estamos pegando
uma área imaculada e tirando para dar a grileiros. Não.

Valor: Essa mensagem não chegará truncada à região?

Sarney Filho: A mensagem já está clara porque ali estamos
fazendo operações constantes. Na região já tem cem membros da Guarda Nacional,
é o lugar onde estamos concentrando o maior número de operações. Está bem clara
a presença do Estado, e o desmatamento já caiu 60% desde que entramos no
ministério. Valor: A lei de regularização fundiária, para os ruralistas, ou lei
da grilagem, para os ambientalistas, é tida como outro grande retrocesso.

Sarney Filho: Estamos cuidando de nosso setor, mas muitas de
nossas propostas não foram aceitas.

Valor: Em relação ao licenciamento, há um consenso político
acertado? A Lei Geral do Licenciamento tem finalmente um texto acordado?

Sarney Filho: Desde que entrei, conforme havia dito, pedi à
Suely [Araújo, presidente do Ibama], que começasse as tratativas para se fazer
uma Lei Geral do Licenciamento. Ela é necessária para dar segurança jurídica,
previsibilidade e também para o ambiente. Do jeito que está é confuso, existem
decisões contraditórias. Começamos um processo de conversas com todos os
setores produtivos como CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária),
CNI (Confederação Nacional da Indústria), Fiesp, FPA (Frente Parlamentar da
Agropecuária), ONGs, Ministério Público. Conseguimos chegar a um nível de
consenso razoável. Não é unanimidade. O Ministério Público tem suas restrições,
as ONGs também, o pessoal da produção também, cada um a determinados artigos,
mas isso foi sendo negociado. Há dois meses chegou-se a um termo com dois
dissensos.

Valor: Quais?

Sarney Filho: Um era relativo a áreas prioritárias para o
meio ambiente, o critério locacional. O impacto de uma mineração localizada na
área da Renca é diferente do impacto da mesma mineradora em Minas Gerais, em
área já antropizada e onde há outras mineradoras. Isso é importante.

Valor: Este é um buraco na legislação atual.

Sarney Filho: Sim. Hoje, para se fazer um empreendimento na
Grande São Paulo há nível de exigências similar ao da Amazônia. Não tem
sentido.

Valor: Mas o setor industrial tinha resistências a isso.

Sarney Filho: Sim, tinha. E havia também resistências ao
poder do ICMBio de opinar no licenciamento. Íamos a Plenário com os dois
destaques para votar. Na véspera da votação vieram com uma proposta modificando
completamente o que tinha sido acordado. Quiseram dar um golpe, o pessoal da
CNA, da CNI, junto com setores da Casa Civil, que queriam resolver problemas
pontuais dos ministérios dos Transportes e Energia. Voltamos à discussão,
ganhamos tempo na Comissão de Finanças e Tributação, retirando sempre a
proposta de Mauro Pereira (PMDB-RS) modificada. E agora conseguimos um consenso
em torno de uma nova proposta sem mexermos em nada, sem nenhum destaque.
Aceitaram o critério locacional e também o do poder dos órgãos das unidades de
conservação.

Valor: A última palavra é de quem?

Sarney Filho: Do órgão licenciador. A legislação do Snuc
prevê que o parecer dos órgãos de conservação é vinculante apenas nos casos de
empreendimentos com Estudos de Impacto Ambiental.

Valor: Os ministérios das Minas e Energia e Transportes têm
interesses claros no licenciamento e não muito adequados ambientalmente. Com o
setor ruralista e indústria o sr. diz que já está acertado um texto, mas e no
governo?

Sarney Filho: Um texto que não é o ideal, mas o possível. É
um avanço.

Valor: Como está na Casa Civil?

Sarney Filho: A Casa Civil respeitará o que sair daqui. Essa
é a decisão do presidente.

Valor: Quando será votado, na sua previsão?

Sarney Filho: Ainda estamos vendo a melhor data. Tenho
receio que haja novidades. Está pacificado, mas não estou ainda muito
tranquilo. Só estarei quando estiver sendo votado em Plenário.

Valor: Como se governa com a bancada ruralista tão forte?
Ela consegue tudo o que quer, e historicamente, o que ela quer, é terra. Da
área ambiental e indígena.

Sarney Filho: Nós conseguimos arquivar o licenciamento da
usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Tiramos incentivos de termelétricas
movidas a carvão mineral e óleo combustível junto com o BNDES. Fechamos a parte
antiga da usina a carvão de Candiota. Agora negamos a licença para exploração
de petróleo na foz do Amazonas. Conseguimos concluir o Cadastro Ambiental
Rural, que estavam pensando em dois anos, fizemos em seis meses. Hoje, o
desmatamento é contido por comando e controle, que não é o ideal, mas tenho
dado ênfase em reforçar reservas extrativistas aumentando o preço mínimo dos
produtos da biodiversidade. Ampliamos reserva marinha no Rio Grande do Sul.
Estamos avançando. Tenho certeza de que, se não estivéssemos neste ministério,
não estaríamos fazendo isso tudo. As grandes ONGs do Brasil pediram que eu não
saísse.

Valor: Mas o cenário é muito ruim para o ambiente.

Sarney Filho: Temos que nos desdobrar. O trabalho é muito
grande. Atendo deputados de todo tipo, a bancada ruralista me procura muito.
Temos conversado. Acho que o agronegócio tem que ter consciência e se adequar à
nossa legislação. Saber a importância da Amazônia para o regime de chuvas no
Sudeste. Estamos fechando agora uma espécie de moratória da carne. Valor: O que
é isso?

Sarney Filho: Não chamamos assim, mas é tipo uma moratória
da soja. É um acordo para que os compradores só comprem carne de origem legal e
os pecuaristas não desmatem mais, mesmo que tenham condições legais de
desmatar. Que fiquem em suas áreas e não desmatem mais. Mas devo dizer que é
incrível que a melhor notícia dos últimos tempos não tenha destaque.

Valor: Qual?

Sarney Filho: A da queda do desmatamento em 21% nos últimos
12 meses, medida pelo Imazon, divulgada nos últimos dias.

Valor: Mas é que a taxa oficial é dado pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais [Inpe]. E os governos têm a tradição de
desqualificar os dados do Imazon, dizendo que são dados de uma ONG, quando o
desmatamento cresce.

Sarney Filho: Tinha tradição. No ano passado eles disseram
que era 30% e foi 29%. Eu considerei. E temos dados que dizem que até no
Cerrado o desmatamento diminuiu.

Valor: Quanto o sr. tem colocado no comando e controle?

Sarney Filho: Eram R$ 80 milhões, nós colocamos R$ 130
milhões, com adição de Fundo da Amazônia. É o que conteve o desmatamento.

Leia também: Juiz do
DF suspende decreto que extinguiu a Renca

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