O plano de ação emergencial da obra da Estação Gávea do metrô do Rio, parada desde 2015, já considerava a possibilidade de aterrá-la. O documento, obtido com exclusividade pelo G1, prevê um prazo de 18 meses para a operação.
A decisão de “tapar o buraco” foi anunciada na quinta-feira (5) pelo governador Wilson Witzel (PSC), em meio à preocupação de moradores com rachaduras que surgiram em locais próximos, e sob a alegação de que o estado não tem dinheiro para concluir a estação e integrá-la à rede.
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A TV Globo entrou nesta quinta-feira no canteiro da estação. O terreno, sem atividade, apresenta mato alto; no poço escavado, é possível ouvir a água colocada para estabilizá-lo.
‘Montanha de absurdos’
O plano emergencial foi apresentado pela Secretaria de Transportes (Setrans) ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) em processo que pedia para a concessionária pagar pelo restante da obra.
O pedido é do Ministério Público Especial de Contas, que aponta superfaturamento de R$ 3 bilhões na construção da Linha 4 do metrô e chama a concessão de uma “montanha de absurdos”.
Na primeira semana de agosto, o TCE-RJ recusou o último recurso para que a obra fosse paga pela empresa, a Concessionária Rio-Barra.
Inicialmente, o custo estimado pelo TCE-RJ para a conclusão era de R$ 700 milhões. A Setrans cita no plano emergencial R$ 750 milhões. Witzel falou em R$ 1 bilhão.
Na obra, já foram gastos R$ 934 milhões. Especialista ouvido pela TV Globo diz que a medida é “absurda” e que significaria jogar “todo o investimento fora”.
Obra pode atrasar ainda mais
Os 18 meses estimados pela Setrans são considerados um “tentativo”, já que a conclusão da obra ainda depende do posicionamento de outros órgãos. Atualmente, uma liminar impede gastos públicos com a obra.
O plano de emergência é assinado pelo titular da Secretaria de Transportes, Delmo Manoel Pinho, e lista o seguinte passo a passo:
– estudo e curso de alternativas de eliminação de risco
– definição da alternativa, do custo e executor
– validação pelos órgãos de controle externo
– implantação das obras emergenciais
“Algumas das ações listadas (…) são de competência de outros órgãos, não tendo o Poder Executivo comandamento sobre as mesmas”, escreve o secretário.
A Setrans afirma ainda que não há recursos destinados à conclusão das obras da Linha 4 na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2019. O secretário descarta a possibilidade de pegar um empréstimo, considerando a crise vivida pelo estado e o Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
Em maio, o G1 mostrou a preocupação do governo com os “riscos graves” de manter a obra paralisada e “possíveis consequências nefastas à integridade física de pessoas que habitam os edifícios do entorno” das obras. Lugares próximos da estação apresentam rachaduras.
“É preciso destacar que a preocupação central da Setrans com relação à Linha 4 é a questão do risco, matéria para a qual serão envidados todos os esforços possíveis para sua mitigação, mas que depende de outros atores e de substanciais e inexistentes recursos orçamentários para a conclusão das obras do referido segmento metroviário”.
Pedido para empresa pagar a obra
Desde agosto de 2017, o Ministério Público Especial pede para que a Concessionária Rio-Barra conclua as obras do próprio bolso e minimize o rombo deixado pelo superfaturamento.
A reportagem questionou se a Setrans concorda com o pedido, mas não obteve resposta.
A primeira recusa foi em janeiro de 2018. A partir daí, outros quatro recursos foram apresentados e recusados. O TCE-RJ diz que todas as análises ocorreram rapidamente.
“O MPE ingressou com outros pedidos versando sobre o mesmo tema, tendo a Corte de Contas mantido por unanimidade a decisão proferida em 09/01/2018 e sempre com as análises dos pedidos tendo sido feita de maneira célere”.
O Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC), do Ministério Público do Rio de Janeiro, disse à reportagem que, segundo informação do próprio governo do estado, já foram empregados na obra R$ 934 milhões e que, assim, “a medida importará em desperdício desses valores, já que o retorno social não se verificará”.
O MPRJ informou que ainda está avaliando qual é o posicionamento do órgão quanto à possibilidade de que concessionária fique responsável pelo reaterro, já que há uma liminar que impede que a mesma receba verba pública.
No último recurso rejeitado, em 7 de agosto de 2019, o conselheiro relator, Rodrigo Melo do Nascimento, discordou da tese dos procuradores em seu voto.
“A um leigo talvez possa parecer natural que, se houve um ‘superfaturamento bilionário’, a concessionária seja ‘simplesmente’ instada a concluir as obras, arcando com as despesas correspondentes, além de promover o ressarcimento ao erário. Já ao Tribunal de Contas, órgão técnico, a proposição soa, a toda evidência, equivocada, esbarrando em óbices de ausência de competência, inexequibilidade e inefetividade da Determinação proposta”, escreveu ele.
O conselheiro diz ainda que o superfaturamento está sendo tratado em processo específico que tramita na corte para responsabilizar os agentes envolvidos e o dano ao erário. O processo em questão é de 2016.
Em setembro de 2018, a Justiça Federal do Rio condenou o ex-governador Sérgio Cabral a 47 anos de prisão por corrupção. Uma das obras realizadas com desvio de verba pública é o metrô.
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