Ferroviários britânicos iniciam maior greve em 30 anos

A estação de Waterloo quase vazia em dia de greve ferroviária em Londres BEN STANSALL/AFP
A estação de Waterloo quase vazia em dia de greve ferroviária em Londres BEN STANSALL/AFP

O Globo – Os trabalhadores ferroviários britânicos iniciaram, nesta terça-feira, uma greve histórica de três dias, considerada a mais longa em 30 anos, para defender empregos e salários diante da inflação galopante. Seu impacto, no entanto, pode ser reduzido pela nova tendência de muitas pessoas de trabalharem em casa. Apesar de as empresas ferroviárias terem sido privatizadas, o sindicato do setor culpa políticas do governo de Boris Johnson por salários defasados e possíveis cortes de pessoal.

Na manhã desta terça-feira, metade das linhas ferroviárias do país estava fechada; nas outras apenas um trem em cada cinco circulava. Somente 20% dos trens no país todo estavam funcionando, com a Escócia e o País de Gales sendo as regiões mais afetadas, segundo a agência Bloomberg.

Em vez da multidão habitual da hora do rush, apenas alguns passageiros perambulavam pelo saguão principal da grande estação de King’s Cross, em Londres, procurando nos quadros de avisos os poucos trens disponíveis. Apesar dos transtornos, a maioria simpatizava com a greve dos ferroviários.

— Tenho que viajar pelo país por causa do meu trabalho. Então hoje tenho que ir para Leeds. Não há tantos trens como de costume, mas consegui chegar lá — disse à AFP Jim Stevens, fotógrafo comercial, de 40 anos.

Surpreso com a tranquilidade da estação, Stevens acredita que as pessoas seguiram os conselhos da Transport for London (TfL), a operadora de transportes públicos de Londres, e trabalharam de casa, ou se locomoveram de bicicleta, carro e ônibus, embora estes últimos estivessem tão lotados que muitos não admitiam mais passageiros em algumas paradas.

Tamasine Hebaut, também de 40 anos e secretária, saiu de casa uma hora mais cedo do que o habitual. Chegou à estação de King’s Cross e de lá decidiria como chegar ao bairro londrino de Battersea, na margem sul do Tâmisa.

— Talvez eu vá a pé. Tenho que ir, porque trabalho na área de saúde — explicou.

Após o fracasso das negociações de última hora com 13 empresas na segunda-feira, os ferroviários permaneceram firmes em suas posições hoje. O ministro dos Transportes, Grant Shapps, denunciou a greve como “desnecessária”, afirmando à emissora Sky que o movimento “está nos levando de volta aos dias nefastos de greves sindicais”, uma referência aos anos 1970 e 1980.

— Não é aceitável que atrapalhem negócios que estão começando a se recuperar. Estão prejudicando as pessoas que afirmam querer proteger — disse ele.

O Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários, Marítimos e de Transporte (RMT, na sigla em inglês) alertou no início de junho que mais de 50 mil trabalhadores ferroviários — 40 mil em todo o país e 10 mil em Londres — entrariam em greve “na maior disputa setorial desde 1989”, época das principais privatizações das ferrovias britânicas, exigindo aumentos salariais em linha com a inflação, que chegou a 9% em termos anualizados em abril deste ano, a maior em 40 anos. A taxa pode passar de 11% ao final do ano, mais de cinco vezes a meta de 2%, enquanto a economia encolheu nos três primeiros meses do ano.

‘Desordem criada pelo governo’

Além dos salários, que não têm aumento há dois anos, a RMT denuncia a deterioração das condições de trabalho e as “milhares de demissões” previstas pela infinidade de empresas privadas que agora compõem o setor ferroviário britânico.

— O trabalhador britânico precisa de um aumento salarial — disse Mick Lynch, secretário-geral do RMT, à Sky. — Eles precisam de segurança no emprego, condições decentes e um acordo geral.

Lynch culpou o governo pela crise, dizendo que sua causa é o corte equivalente a US$ 4,9 bilhões no Orçamento para o setor.

— Isso está abalando a indústria e forçando as empresas a implementar cortes maciços no sistema — disse ele, citando salários que não acompanham o aumento de preços e demissões.

O ministro Shapps, do seu lado, disse que a verdadeira causa dos problemas é a queda do retorno por meio das tarifas de transporte, já que o número de passageiros não voltou aos níveis pré-pandemia. Segundo dados oficiais, as viagens por trem estão em 62% do que eram antes da Covid.

O governo enfrentou críticas de parlamentares da oposição por se recusar a se envolver nas negociações para resolver a disputa. A porta-voz do Partido Trabalhista para o setor de transportes, Louise Haigh, acusou Shapps de “lavar as mãos”.

— Na véspera da maior disputa ferroviária em uma geração, ele não levantou um dedo para resolvê-la — disse ela na segunda-feira.

Boris Johnson afirma que os sindicatos estão dando um tiro no pé no momento em que o setor ferroviário, que recebeu o equivalente a US$ 20 bilhões em ajuda durante a pandemia, começa a se recuperar.

— Ao seguir em frente com essas greves ferroviárias, eles estão afastando os passageiros que, em última análise, apoiam os empregos dos trabalhadores ferroviários, ao mesmo tempo em que impactam empresas e comunidades em todo o país — disse o premier.

O ministro Shapps, que não está oficialmente envolvido na negociação, afirmou, no entanto, que há uma oferta salarial “sobre a mesa”, considerada insuficiente pela RMT, e que “os cortes [de empregos] são em grande parte voluntários”. O ministro afirmou ainda que no futuro vai estudar como “proteger” os usuários dos transportes públicos, impondo um “serviço mínimo” ou substituindo os grevistas por trabalhadores temporários.

Hoje é o maior dia de paralisação, já que os trabalhadores do metrô de Londres também entraram em greve, mas a paralisação no resto do país continuará na quinta e no sábado. As interrupções serão sentidas todos os dias até domingo, alertou a operadora de transportes públicos de Londres.

Para os britânicos, isso aumentará o caos das últimas semanas nos aeroportos, que contam com longas filas e centenas de cancelamentos de voos, já que o setor aéreo não consegue contratar funcionários suficientes em meio à crescente demanda após o fim das quarentenas pandêmicas.

A greve também ameaça atrapalhar grandes eventos esportivos e culturais, incluindo o festival de música de Glastonbury, no sudoeste da Inglaterra, um show dos Rolling Stones em Londres, no sábado, e as provas finais de alguns alunos do ensino médio.

Mas, em um contexto de inflação histórica, a greve ameaça se espalhar para outros setores, como educação, saúde e correios. Advogados criminais já votaram a favor de uma greve a partir da próxima semana.

Fonte: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/06/em-disputa-com-boris-ferroviarios-britanicos-iniciam-maior-greve-em-30-anos.ghtml

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