O Globo – Na semana passada, a EcoRodovias concluiu uma primeira emissão de títulos de dívida, no valor de R$ 2,2 bilhões, levantando recursos que serão direcionados para a Ecovias Raposo Castello. Trata-se da mais nova concessão do grupo, vencida em licitação do governo do estado de São Paulo em novembro passado, que entra em operação em 1º de abril.
Dez dias antes, a companhia realizou uma primeira emissão de R$ 1,35 bilhão — de um total de cinco séries que devem somar R$ 7,32 bilhões — em captação para a Ecovias Rio Minas, em um financiamento aprovado pelo BNDES.
São estratégias financeiras para tirar do papel os aportes previstos em novas concessões do grupo. Entre 2021 e o ano passado foram quatro, ou 2 mil dos 4,8 mil quilômetros de estradas sob gestão da companhia.
É exemplo da expansão em investimentos de infraestrutura no país, acompanhada de perto pelo setor de construção pela promessa de contratação crescente de obras puxadas principalmente pelos setores de transportes/logística, energia elétrica e saneamento.
R$ 259,3 bi em 2024
Em 2024, o aporte em infraestrutura alcançou R$ 259,3 bilhões, segundo dados preliminares apurados pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) e que excluem óleo e gás, alta de 15,3% sobre o ano anterior. A estimativa é que, neste ano, o avanço seja de 11,14%.
O crescimento, capitaneado pela aceleração de concessões, resulta de uma combinação de fatores, dizem especialistas.
Eles vão do efeito positivo da aprovação de marcos regulatórios, como os do saneamento básico e o das garantias, passando por mecanismos de estímulo à captação de recursos pelas empresas junto ao mercado de capitais, como por meio da emissão de títulos de dívida incentivados.
Mais opções para financiar
Carlos Eduardo Jorge, vice-presidente de Infraestrutura da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), explica que o eixo principal de estímulo a investimentos no setor está no Novo PAC.
— Mas o que vemos crescendo são PPPs e concessões, com aumento de 60% entre 2021 e 2024 ante os quatro anos anteriores — frisa ele. — Em meio à dificuldade fiscal do governo, isso tem sido puxado pelo capital privado. E o governo vem ajudando a estruturar soluções voltadas para a necessidade de capital de investidores e companhias.
Os instrumentos de financiamento se multiplicaram. Tanto a Cbic quanto outros especialistas apontam as debêntures incentivadas, títulos de dívidas emitidos pelas companhias para captar recursos para projetos de infraestrutura, como o mecanismo que vem ajudando a garantir os aportes.
Em 2024, o BNDES aprovou R$ 28,2 bilhões em financiamentos via títulos de dívida voltados para a infraestrutura, ante R$ 14,4 bilhões um ano antes.
No ano passado, R$ 135,01 bilhões foram destinados a debêntures incentivadas no país, quase o dobro do registrado em 2023, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Por setores, na frente está energia elétrica, com 40% do volume total, ou R$ 54,6 bilhões. Depois vêm transporte e logística (26%), com R$ 34,5 bilhões, e saneamento (9%), com R$ 12,12 bilhões.
Esse salto, diz Cristiano Cury, coordenador da Comissão de Renda Fixa da Anbima, tem dois motivos. Um é que, com a alta da taxa de juros, a renda fixa é um investimento com o qual fica “difícil de competir”. Como as debêntures incentivadas são isentas de Imposto de Renda para o investidor pessoa física, elas ganham atratividade.
— O outro motivo é que faz sentido ter um título de dívida com prazo mais longo, já que infraestrutura tem contratos de longo ciclo, e de custo mais barato pelo incentivo fiscal — explica Cury.
Nova debênture ainda não decolou
Já a nova debênture de infraestrutura, que dá o benefício fiscal às empresas, parece ainda não ter decolado. Andrea Fernandes, diretora de Finanças Corporativas da EcoRodovias, avalia que esses títulos tendem a ser vantajosos para projetos maduros, com geração de lucro consolidada.
— Para projetos greenfield (que partem do zero), a fase inicial da concessão pode não apresentar lucro tributável para aproveitar plenamente o benefício fiscal. Seguimos acompanhando a evolução desse instrumento e avaliando as melhores opções de financiamento — explica ela, para quem a iniciativa poderá atrair investidores de longo prazo, como fundos de pensão, “essenciais para o desenvolvimento de infraestrutura”.
Por ora, a companhia tem usado debêntures incentivadas, pelo benefício direto ao investidor e mais alinhadas às necessidades da EcoRodovias, que seguirá analisando oportunidades.
Calendário organizado
Estão na agenda do Ministério dos Transportes 15 concessões em rodovias este ano, incluindo a da BR-364/RO, a Rota Agro Norte, licitada no fim de fevereiro e com estimativa de R$ 6,3 bilhões em aporte.
Com atraso, a pasta se prepara para divulgar o novo plano de desenvolvimento de ferrovias, que deverá incluir projetos como os da Transnordestina, do Anel Ferroviário do Sudeste, Leste-Oeste e Norte-Sul.
No ano passado, saiu a concessão do Trem Intercidades, que vai ligar Campinas a São Paulo, com aporte previsto em R$ 13,5 bilhões.
Na sexta-feira, Mato Grosso concedeu quatro lotes de rodovias do estado, com previsão total de investimentos de R$ 4,7 bilhões, em contratos de 30 anos.
30 licitações de saneamento
Em serviços de água e esgoto, estimam-se cerca de 30 licitações este ano. Entre as de maior destaque está a do Pará, com leilão marcado para abril e previsão de R$ 18,8 bilhões em investimentos.
— Em saneamento, a estimativa é de R$ 69 bilhões em novos investimentos. Este ano, começam os de menor escala, atraindo empresas de médio porte. Virá mais concorrência, possibilidade maior de reduzir custo e tarifa, gerar emprego — diz Jorge, da Cbic.
Ter um calendário de concessões organizado e progredindo, continua ele, abre horizonte de expansão em obras — e aportes. No ano passado, foram assinados 212 contratos de licitações públicas, entre PPPs e concessões, segundo dados da Radar PPP. Juntos, somam previsão de R$ 80,3 bilhões em investimentos.
Curva de aprendizado
Venilton Tadini, presidente executivo da Abdib, avalia haver uma curva de aprendizado, tanto da iniciativa privada quanto dos entes públicos, que traz melhora em fontes de financiamento, em qualidade na estruturação e execução dos projetos e em governança.
Ele destaca a importância de o Brasil contar, inclusive, com projetos que apresentaram problemas no passado e passaram a poder negociar o reequilíbrio econômico-financeiro de contrato ou mesmo serem relicitados:
— Com a melhora na governança dos entes públicos na forma de olhar o investimento em infraestrutura, quebrou-se um ranço sobre atração do capital privado, diminuiu a insegurança jurídica. Cerca de 76% do investimento no setor hoje vêm do privado.
Problemas a superar
Mas há desafios. A despeito de os investimentos direcionados à infraestrutura terem alcançado o equivalente a 2,2% do PIB em 2024, de acordo com a Abdib seria preciso mais que dobrar esse montante para dar conta da lacuna em aportes necessários para garantir a manutenção, operação e modernização dos ativos existentes no país.
Em cifras, isso pediria mais R$ 266 bilhões anuais, sem contar o setor de energia elétrica, onde não há lacuna de investimento.
O economista Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, especializada em infraestrutura, reconhece melhoras, mas sublinha que há pontos de atenção a serem olhados:
— Estruturalmente, temos excesso de demanda de investimento, com aportes próximos de 2% do PIB, enquanto teriam de superar 4%. Não houve mudança nesse patamar. É algo que não vem da noite para o dia.
O investimento ainda é aquém do necessário e de qualidade ruim, diz Frischtak, com obras atrasadas, paralisadas ou com sobrecusto:
— Um dos problemas é a qualidade dos projetos.
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