O metrô do Recife, responsável pelo transporte diário de quase 200 mil passageiros, esbarra em velhos problemas. Venceu o período de indiferença financeira do governo federal e nunca teve tanto dinheiro em caixa (são R$ 295 milhões até 2010), mas tem pago pelos erros do passado. Entre eles, a tentativa de alçar vôos sem antes cumprir o dever de casa. Na Linha Centro, em operação há 23 anos, as panes e paralisações tornaram-se freqüentes, resultado de anos sem investimento. A insegurança, sempre sentida em silêncio pelos usuários, ganhou visibilidade com a história do vendedor Rogério Félix, 30 anos, baleado durante assalto numa composição e ameaçado de ficar paraplégico.
Os mesmos problemas, as mesmas desculpas. O Metrorec, gestor do sistema, argumenta que as panes, se comparadas com outros metrôs brasileiros, são poucas. E não comprometeram a vida de nenhum usuário. É verdade. Mas é verdade, também, que geraram pânico. “Só sabe o que é ficar preso numa composição do metrô quem já passou por isso. O calor e o abafado são insuportáveis. Você pensa que vai desmaiar. É desesperador. Tem mulheres e crianças, por exemplo, que não agüentam”, explica o motorista Sérgio Barreto, 40 anos, que usa o metrô diariamente.
Há muito tempo, o calor é o problema mais criticado pelos passageiros, gente em sua maioria com renda familiar de até quatro salários mínimos, que utiliza o metrô para trabalhar. E é ele que mais simboliza a falta de compromisso com o sistema. Desde 2000 que a reforma dos trens, que significa a instalação de ar-condicionados, arrasta-se. Sem certeza de dinheiro para pagamento, a empresa contratada fez corpo mole. Somente depois da inclusão do metrô no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a partir do ano passado, a coisa engrenou. Foram nove veículos reformados de lá para cá. O restante da frota de 25 trens, entretanto, continua parecendo um forno na hora do pico.
O calor leva a população à exaustão. Viajar numa composição sem ar-condicionado é massacrante, ainda mais para aqueles que vão fazer integração. Semana passada, por exemplo, uma passageira teve que deixar o trem porque a filha de quatro meses não suportou o calor. Chorou tanto, que usuários tiveram que segurar a porta numa das estações para ajudá-la a sair. “É melhor você fazer a viagem em etapas, para ela agüentar”, recomenda uma passageira à mãe, jovem e nervosa, que entrara na composição vinte minutos antes.
Nos horários de pico, sair dos ramais da Linha Centro significa levar quase uma hora até o Centro do Recife. Não importa se o ponto de partida é Jaboatão dos Guararapes ou Camaragibe, municípios vizinhos da capital. “O pior de tudo é que, muitas vezes, a gente fica no trem sem saber o motivo de ele estar parado. O maquinista não se comunica com os passageiros”, reclama o pintor Agemilson de Sena, que há vinte dias estava numa das composições que quebraram. A reportagem confirmou o que diz o usuário. Na semana passada, por duas vezes, os trens chegaram nas estações Camaragibe e Jaboatão e ficaram por mais de dez minutos parados, à espera de passageiros. Saíram lotados. Em nenhum momento o maquinista deu uma explicação sobre o que acontecia.
No último ano, foram seis episódios que fizeram o metrô parar. Três deles aconteceram num intervalo de pouco mais de um mês. O gestor do sistema diz que, em apenas um, houve a paralisação total. Mesmo assim, provocada pela queda de energia em uma subestação da Celpe. Nos outros, apenas interrupções parciais, isoladas. “Quem disser que os investimentos no metrô não foram retomados, está equivocado. Temos visto, por exemplo, o pessoal da manutenção trabalhar até de madrugada na reforma dos trens. Mas o sistema está pagando um preço alto pelo longo tempo sem receber investimentos. Os problemas recentes, por exemplo, têm ocorrido na rede aérea, que há anos não passa por uma recuperação”, argumenta o presidente do Sindicato dos Metroviários (Sindmetro), José Inocêncio.
A população se irrita com as constantes quebras e a superlotação, mas é o calor o ponto alto das reclamações. Nos poucos trens que possuem ar-condicionado, tudo fica mais fácil. A refrigeração funciona e proporciona alívio nos vagões superlotados. O povo adora. Viaja melhor. O difícil é saber quando esses trens climatizados passam.
Linha Centro é esquecida por gestões
Alguns sindicalistas e especialistas defendem que o maior problema do metrô é pensar grande demais. O erro, cometido pela gestão nacional e acompanhado pela superintendência local, transferiu recursos que deveriam ter sido usados na Linha Centro. Afinal, é ela que transporta quase a totalidade dos passageiros. Mas, ao contrário, a prioridade foi dada à Linha Sul, cujas obras se arrastam desde 1998. Agora, a bola da vez é o projeto do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que ligará a Linha Sul, mesmo sem funcionar, ao Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife.
“É mais um erro. O Metrorec investiu pesado na Linha Sul e, hoje, paga a seguranças para cuidar de um sistema pronto, que não pode funcionar por não dispor de trens. Agora, toca o projeto do VLT sem concluir a Linha Sul”, critica o presidente do Sindmetro, José Inocêncio.
O Metrorec mantém o discurso de que tudo está sob controle. Mostra, em números, que nunca o sistema teve um orçamento livre de contingenciamento, como agora. “A Linha Sul funcionará plenamente em dezembro e até o fim do mês teremos mais um trem no trecho em operação. Temos dinheiro em caixa. A reforma dos trens, por exemplo, está ágil. Até o fim do ano serão 13 trens climatizados. A dificuldade é que o número de passageiros aumentou cerca de 15% no último ano, nos obrigando a trocar o pneu com o carro andando”, argumenta o diretor de operações do Metrorec, André Melibeu.
As panes e paralisações recentes, segundo o gestor, foram provocadas por vandalismo, queda de árvores e falta de energia. Uma única parada teve relação com problemas técnicos. Sobre a segurança, Melibeu diz que a tragédia ocorrida com o vendedor Rogério Félix foi uma ação isolada. Um dos seguranças do metrô, entretanto, recomendou à equipe do JC ficar atenta para não ter a câmera fotográfica roubada em uma das estações.
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