Sem previsão para acabar obras da Linha 4, intervenção para estabilizar Estação do Metrô da Gávea atrasa em um ano

O canteiro de obras da Linha 4 do metrô, na Gávea Foto: Guito Moreto em 11/02/2021 / Agência O Globo

O Globo – Submersa desde 2018 em 36 milhões de litros de água e à espera de intervenções de engenharia que garantam que não venha a ser um risco estrutural para a PUC e os prédios no entorno, o canteiro da futura estação do Metrô da Gávea, parado desde 2015, deveria ter voltado a ter a movimentação de operários desde fevereiro. No entanto, o cronograma de intervenções para estabilizar o local, apresentado em 2020 ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) atrasou e muito. O projeto detalhando as intervenções sequer foi licitado, e a obra ficará para 2022. A intervenção será necessária no “piscinão” porque não há prazo para retomar as obras de conclusão da Linha 4.

Finalmente, esta semana, a Riotrilhos marcou para 22 de junho uma licitação para realizar os estudos técnicos que detalharão as técnicas de engenharia para estabilizar a estação. O prazo para conclusão dos estudos é de 180 dias — empurrando a entrega dos planos para o fim do ano. O valor da concorrência, por técnica e preço, não foi divulgado porque a obra será pelo sistema do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), modalidade regulamentada por lei federal para serviços de grande complexidade técnica.

Enquanto as intervenções não são feitas, o tempo passa. Independentemente de obras para concluir a Linha 4, o canteiro precisa ser esvazaiado a cada cinco anos (o prazo para isso é 2023) para avaliar as condições estruturais. Entre especialistas, não há consenso sobre a segurança do canteiro, em especial para a integridade dos prédios no entorno — inclusive de parte da PUC— apesar da existência de sensores instalados no canteiro que podem detectar qualquer movimento do terreno. Quando a obra estava em pleno vapor, alguns imóveis próximos chegaram a apresentar pequenas rachaduras, mas sem comprometimento, que foram reparados.

— O ideal é que a obra seja retomada como projetada. Entendo que hoje não dá para assegurar que os tirantes que sustentam a estrutura estão íntegros. O tempo de vida útil estimado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas é de dois anos. Ou seja, já expirou — diz o presidente da Academia Nacional de Engenharia, Francis Bogossian.

Mas o professor de Engenharia Geotécnica da Coppe/UFRJ, Maurício Ehrlich, não vê riscos imediatos:

— O maior problema para essas estruturas seria a corrosão. Mas para ter corrosão não basta apenas ter água. Mas oxigênio também. Dificilmente nas partes mais fundas haveria oxigênio suficiente para comprometer a estrutura. Nos trechos mais superficiais, pode ser que haja corrosão. Isso poderia ser avaliado sem o esvaziamento completo — disse Maurício, destacando que opinou sem ter acesso ao local.

Denúncias de superfaturamento
O impasse na estação da Linha 4 também entra no contexto de denúncias de superfaturamento de contratos públicos fechados na gestão do ex-governador Sérgio Cabral, que acumula 332 anos de prisão por condenações com base em diversos inquéritos do braço carioca da Lava-Jato. No caso da Linha 4, os ex-executivos da Odebrecht Benedicto Júnior, o BJ, e Marcos Vidigal afirmam que pagaram propinas de R$ 50 milhões a Cabral para que pudessem se associar ao consórcio que havia vencido a concessão para implantar a Linha 4 em um percurso diferente do que havia sido licitado nos anos 1990. Segundo a denúncia do MP à Justiça, haveria indícios de que a obra teria sdo superfaturada em mais de R$ 3 bilhões.

A conclusão da estação (com custo estimado de R$ 550 milhões) não consta do edital recém-lançado que vai apenas definir como serão os reforços estruturais para que sejam afastados quaisquer riscos de que a estrutura cedesse, afetando as construções vizinhas. Mas o próprio TCE, na época, já havia encontrado indicíos que não seria cumprida porque, o Estado alegava, na resposta, falta de recursos para orçar as intervenções por conta do impacto da pandemia nas contas públicas. Passados quase dois meses, a Secretaria informou que ainda não há previsão para lançar o edital.

Sem o projeto básico pronto — em um processo que levará até seis meses e exigirá novas sondagens para avaliar a estabilidade do terreno — sequer é possível confirmar se o custo das intervenções necessárias chegaria a R$ 48,6 milhões. A situação causa perplexidade entre moradores do bairro que sonham um dia com a finalização do projeto:

— Há mais de 20 anos, a população espera que o Metrô chegue até a Gávea. Mas os problemas se multiplicam. Terminar a estação seria o ideal. Serviria como um incentivo para que as escavações prosseguissem no futuro, para implantação de novas estações, até que o traçado chegasse ao Largo da Carioca, como previsto no projeto original da Linha 4 — diz o presidente da Associação de Moradores da Gávea (AmaGávea), René Hasenclever.

Morador nas imediações do canteiro, o comerciante Sérgio Arquimedes Gonzalez diz que, independentemente da divergência entre os especialistas, a integridade do canteiro o preocupa:

—- Há a PUC, o juizado especial do TJ na vizinhança. E vários prédios no entorno. Além da questão da segurança, não concluir a obra é um desperdício.

Há ainda outras pendências. Até agora, o estado não chegou a um acordo com o Consórcio Rio-Barra (responsável pelas obras da Linha 4) para permitir que outra empresa execute as intervençõe no canteiro da Gávea. O litígio envolve também o próprio TCE.

Auditoria aponta superfaturamento
Com base em uma perícia que contratou, a Rio-Barra contesta uma auditoria que o tribunal, que estimou que todas as intervenções teriam sido superfaturadas em cerca de R$ 1,5 bilhão (valores atuais), segundo relatório divulgado ano passado. O perito a serviço do consórcio alega que o TCE desconsiderou que o projeto da Linha 4 teria usado técnicas e recursos sofisticados que justificam o valor cobrado e quer que a corte avalie as conclusões do estudo. Mas o TCE, em uma das sessões que analisou o caso, entendeu que o recurso foi apresentado depois do prazo legal.

— Essa proposta que o estado quer fazer na Gávea é colocar um curativo comum para cuidar de um paciente infartado. A responsabilidade civil pelas obras é do Consórcio Rio-Barra, que defende a retomada da obra. Se outra empresa assumir, não podemos garantir a segurança do canteiro. Retiraremos os atestados que nossos engenheiros assumem a responsabilidade pelo projeto (a chamada ART, emitida pelo Crea) — diz Lucio Silvestre, executivo da Rio-Barra 4, que nega a acusação de superfaturamento.

Em nota, sem citar o Consórcio Rio Barra nem dar prazos, a Secretaria de Transportes argumenta que o tema da retomada das obras é complexo ao justificar a demora para o lançamento do edital pela Rio Trilhos.

Tatuzão parado
No meio dessa discussão, já se passaram cinco anos que o tatuzão empregado nas escavações da Linha 4 do Metrô permanece parado numa caverna debaixo da Rua Igarapava (no alto Leblon) aguardando a conclusão dos 1.256 metros que faltam para interligar a Gávea à estação Antero de Quental (Leblon), que já está em operação. Silvestre estima que a manutenção da estrutura de 11,5 metros de altura, 123 metros de comprimento e 2,7 mil toneladas, a cargo do consórcio, custe pelo menos R$ 1 milhão por mês.

O equipamento tem que ser ligado com frequência para que não se degrade. Com o tatuzão inoperante, aduelas pré-moldadas construídas sob medida para serem instaladas à medida em que as escavações prosseguissem, continuam armazenadas em um terreno do governo do estado na Leopoldina.

Futuro do canteiro alagado
O tempo vai passando também em outros detalhes das obras. Em 2018, quando o canteiro foi alagado (com o desligamento das bombas que impediam que a água do lençol freático invadisse o buraco de 55 metros de altura), a previsão era que a estrutura fosse esvaziada para uma reavaliação da estabilidade no prazo de cinco anos — ou, seja, em 2023. Se não fossem identificados riscos estruturais, a futura estação seria novamente submersa, repetindo a operação até que o estado tenha dinheiro para concluir a obra.

No entanto, essa avaliação mudou depois que a Riotrilhos apresentou em 2019 ao TCE um laudo no qual afirma que canteiro terá que ser totalmente esvaziado, gradativamente, numa operação cuidadosa, e não poderá mais ser alagado. Na época, a Rio Trilhos chegou a estimar que o esvaziamento do canteiro poderia levar até dois anos — sendo que a retirada de toda a água consumiria pelo menos 60 dias. A estação começou a ser lagada em agosto de 2018. O governador afastado Wilson Witzel, na ocasião, chegou a avaliar a possibilidade de aterrar a estação até que a obra pudesse ser retomada, mas a solução foi descartada.

Na modelagem do edital para o projeto que será licitado agora, o estado decidiu incorporar sugestões do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC, que, em laudo contratado pelo estado em 2019, defendeu como melhor alternativa que o buraco não fosse mais alagado. E propôs medidas, como: rebaixar o lençol freático, drenar a água dos poços e realizar eventuais serviços de escoramento.

Comissão para acompanhar o projeto
O impasse preocupa na Câmara do Rio, que estuda criar uma comissão para acompanhar o futuro do projeto:

— O ano de 2020 exigiu todas as atenções para o combate à Covid 19. Saúde sempre será prioridade, mas não podemos deixar de atenção a questões como o fator segurança. É preciso ter foco antes que algo de pior aconteça naquela obra paralisada — diz o presidente da casa, Carlo Caiado (DEM).

Ação por improbidade
As acusações envolvendo denúncias de superfaturamento na construção da Linha 4 do Metrô motivaram uma ação por improbidade administrativa movida há quase três anos, que ainda tramita em primeira instância. O processo corre na 3ª Vara de Fazenda Pública. Além de Cabral, há 30 réus citados no processo, como o ex-secretário de Transportes do Estado Júlio Lopes; o ex-chefe da Casa Civil Régis Fitchner; além de executivos da estatal Rio Trilhos.

No entendimento do MP, ao optar por transformar a Linha 4 em uma extensão da Linha 1 (o que não era previsto na concessão feita em 1998 para levar o Metrô até a Barra), o estado deveria ter feito uma nova licitação, o que não ocorreu. Segundo a denúncia, a medida favoreceu a Odebrecht, que ganhou o direito de implantar o serviço já com o novo traçado ao comprar uma participação no Consórcio Rio-Barra, que tinha o direito de explorar a Linha 4. Um aditivo ao contrato previu que o governo do estado arcaria com os custos adicionais com a mudança do traçado — elevando os custos da obra em R$ 3,17 bilhoes.

Pela proposta original da Linha 4, o Metrô teria estações entre a Barra e Botafogo incluindi Gávea). Mas o traçado que saiu do papel interligou os serviços da Linha 4 com a Linha 1 (que abriu novas estações na Zona Sul). Na época, Cabral justificou as mudanças alegando que o novo traçado atenderia melhor às demandas da população por mobilidade da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016).

Fonte: https://oglobo.globo.com/rio/sem-previsao-para-acabar-obras-da-linha-4-intervencao-para-estabilizar-estacao-do-metro-da-gavea-atrasa-em-um-ano-1-24970462

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